foto: Teresa Ferrão Pessanha
Chego aqui,
à casa que nunca deixei de chamar casa. Alguém me dizia, admirada, que nós
continuávamos a referir a Boa-Bay-Ela como nossa casa, ainda que não a
habitássemos. E é assim mesmo – uma vez escolhidos para aqui vir, permanecemos.
A casa é um
corpo carregado de memórias, paredes surdas que assistiram ao nascer e crescer
de tanta gente, testemunho de vidas e de cruzamento de tantas histórias
individuais, transformadas numa gigante bolha de felicidade.
E voltar é
isso mesmo – regressar a um sítio de grande alegria sem verdadeiramente nunca ter
de lá saído.
A nossa casa
assistiu ao meu caminho. Não fui eu que me dirigi aqui e
entrei. Fui sendo pescado, num processo lento de conquista. E não me deixei
enganar, aqui encontrei o meu tecto.
Escrever
estava-me destinado, sem eu nunca ter percebido que isso acontecia. A poesia nasceu,
num processo tão natural como o da entrada na República.
Recordo os
anos que vivi neste espaço, com os meus irmãos, e das cartas que lhes escrevi.
Já naquele tempo me preocupava com o mundo global que hoje nos sufoca em tantos
aspectos. E percebia, de uma forma simples e clara, que sítios como a nossa
casa são sempre um ponto perdido num imenso oceano.
Afinal o
amor é a solução final e eu deixei que ele acontecesse aqui. Pratiquei também a
solidariedade, a amizade absolutamente descomprometida, nunca imposta, nada
convencionada. O valor do abraço multipliquei-o por mil, num aperto e felicidade
que sabia existir em cada um de nós.
E ainda
assim o é.
E será, será
para sempre. Num sempre que nunca acaba.
foto: Ricardo Botelho
O meu livro
não fala desta casa, talvez porque não escolhi escrevê-lo. As coisas foram
acontecendo, poema a poema, sem aparente organização ou objectivo.
Mas a poesia
guarda os pensamentos que escorri enquanto cá vivi. Ainda hoje tenho bem
presentes os rostos da casa, os barulhos, o encontro imediato com os velhos que
cá viveram. E isso reflecte-se na minha vida, nas memórias felizes, guardadas a
sete chaves no meu pensamento.
É
verdadeiramente inspirador estar aqui convosco. É um motivo de enorme alegria
ter vários amigos que fizeram comigo este caminho. Estar rodeado de vós é
sentir-me em casa. Não podia escolher melhor sala para celebrar o meu livro.
Agradeço à
geração que fundou a República. Agradeço a todos os que continuaram a contar
esta história bela, uma casa que é um poema em si. Não tenho dúvida que todos
nós pautamos a vida por aquilo que aprendemos cá. Carrego a certeza que isso
será sempre inspirador, em tudo o que façamos fora deste círculo.
Aqui me fiz
melhor pessoa, aqui consegui enquadrar toda a significância da palavra saudade.
E é isso que mais sinto, uma enorme vontade de voltar àqueles dias
despretensiosos, onde as coisas simples se transformavam em pequenos objectivos
(como arrumar tudo para depois receber, num abraço, mais e
mais convidados).
O meu livro
fala dessas coisas que aprendi cá. Ao longo destas páginas percorro
viagens até à infância, recordo momentos felizes, dedico poemas a pessoas
queridas. Falo também do amor e da ausência dele. Tento enquadrar questões
lançadas ao ar, sem saber responder a nada do que exponho. Debato-me com aquilo
que não controlo e não domino. Exponho, num acto de coragem, sentimentos
guardados bem fundo na minha consciência.
«Todos os
tempos verbais» é um título que conjuga isso tudo – um querer invocar um
passado, um interrogar presente e uma incerteza futura.
Convido-vos
a fazerem esta viagem comigo, terei todo o prazer de debater cada uma das
linhas que escrevi.
Hoje é um
dia feliz. A casa mais bonita que habitei está preparada para a festa. Aguarda
serena e calma a chegada de mais gente, numa roda sem fim, até ao acordar de um
novo dia. A Boa-Bay-Ela é eterna, disso não tenho dúvidas. E há-de sempre
inspirar o poema, a escrita, o pensamento e opinião. A liberdade é o bem mais
precioso que há, e aqui celebra-se, todos os dias, isso mesmo.
Muito obrigado
a todos.
foto: Ricardo Nunes
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