terça-feira, 1 de dezembro de 2015

É do borogodó: existe o segredo e existe o mistério

Na mesa do café, dois pires vazios de xícaras ou resquícios de açúcar.
A mão separa um pires do outro.
– Tá vendo esse pires? Esse pires é o segredo que podemos dividir.
–  E esse outro o que é?
– Calma, menina, que eu já vou dizer desse outro o que é.
E ela dá uma risadinha com um quarto de nervoso, um quarto de assombro e metade de sem saber porque ri.
– Esse outro, não saberemos dele mais do que ele revelaria se a nós pudesse se revelar. Esse é o mistério.
Diria a menina que o rapaz é incomum. Ela diria e diz porque, afinal de contas, é tagarela e fala muito pela boca e pelos cotovelos. Ela conta histórias e ele também conta e ouve histórias boas de se contar e ouvir.
A conversa deles é uma parede branca. Eles sentam ao pé da parede branca e esperam que as palavras venham. É nessa hora que ele olha de cá, e a menina olha de lá.
Uma família conhecida dele também se senta todos os dias para apreciar a sua parede branca.
Há histórias que pedem para a gente se sentar.
Acontece que um dia, no meio da história da parede branca daquela família, todos avistaram um risquinho.
Há histórias de riscos e rabiscos.
Observaram o risquinho. A família e os curiosos.
Um homem de roupa de ginástica que passava pelo corredor e uma moça a cavalo, um apresentador de concursos de televisão e o manobrista de carros… Deitaram a fazer perguntas: “de onde veio, para o que, quem fez e o que é este risquinho?”
Eram apressados tagarelas como a menina que queria saber do que era feito o pires no começo da nossa conversa. Pessoas que não dão ao tempo o tempo necessário de dizer as coisas.
E o risquinho na parede, visto de perto, era perfeito. Não estaria ali por acaso, um risquinho tão perfeito.
O risquinho podia ser um fio de cabelo, podia ser um corpo a dormir, até criação de um artista podia ser. Mas o fato é que ninguém o sabia. O risquinho era um mistério.
O escritor Alexandre Honrado convida para mais uma de suas fantásticas histórias em TODOS POR UM RISQUINHO, na companhia da ilustradora Joana Rita, com selo da Bertrand Editora de Portugal.
Aqui no Brasil, as editoras que fiquem de olho nesse autor de miúdas delicadezas. Com sua poética singular, Alexandre convida seus leitores ao olhar além das coisas, transcendendo as primeiras impressões carregadas de julgamentos para alcançar uma exploração essencial na narrativa.
Quem for perspicaz em comprar livros portugueses pela internet, aproveite a dica. TODOS POR UM RISQUINHO é uma pérola (ou melhor, um risco) que não deve faltar para nosso baú de mistérios.


*escolhido por Penélope Martins, nossa ponte para o Brasil

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