O paraíso era uma
paragem de autocarro.
Ele subia a rua.
Ela descia a rua.
Chegavam à mesma
hora, quase à mesma hora, o mesmo horário a cumprir.
Quando chegava
primeiro ficava ansioso, um formigueirinho, apesar de ela
nunca ter faltado a um encontro.
Como se fosse um
encontro! Não mais que obrigações laborais. O suficiente para concluir, supor, que
funcionária exemplar no que tocava a pontualidade e assiduidade.
Será que tocava
piano, falava francês?
Bonjour mademoiselle. – Pensava que dizia. Não dizia.
Assim, derivado da
assiduidade, como um figo que mirra e seca, ao longo de meses, foi
transformando a ânsia em certeza e, mesmo assim, enquanto esperava, um nervoso
miudinho, o coração de passo, a trote, de trote a galope, coisa que aposta faz
mal ao coração e ao resto do corpo, 2 minutos, 120 segundos, 3 minutos, 180
segundos, 4 minutos, 240 segundos, nunca mais do que isso.
Questiona-se se o
seu coração aguentaria mais.
Duvida.
Pelo que quando
chegava depois, um sentimento alívio, chegar e encontrá-la à sua espera.
Era como se
estivesse à sua espera!
Estaria à sua
espera?
Mas o que deveras o
encantava, acontecia, em regra, uma vez por mês.
Meses compostos
apenas por dias úteis, há dias inúteis.
Acontecia, por
excepção, a tal que não sei porquê dizem confirma a regra, duas vezes no mesmo
mês.
E, uma única vez, a
excepção à excepção, aconteceu três vezes no mesmo mês, uma ocorrência rara,
que não serve de exemplo, apenas lembra um cometa.
Faz e tem a
estatística controlada.
O que deveras o encanta,
o tal dia imprevisível e imperscrutável em que em sincronia chegam à paragem e
em sincronia se arrumam lado a lado.
Ele a subir a rua.
De tão consolado,
leva um sorriso a fermentar dentro do estômago.
Ela a descer a
rua.
Cena de filme
pouco realizável na realidade, porque a realidade diferente dos filmes, não há
ensaios, cortes e repetições, a realidade é o lugar, o momento, onde apesar do
boletim meteorológico, a chuva e o sol inesperados, e tudo é apenas o que pode
ser.
Se o banco estiver
vazio, sentam-se lado a lado.
Podem sentar-se
lado a lado.
Oferece-lhe um
sorriso.
Pode oferecer-lhe
um sorriso.
O sorriso, como um
balão, a subir do estômago para a boca.
Ela, como se ao
espelho, outro sorriso.
Bonjour mademoiselle. – Quase que diz, sem nada dizer.
Porque apesar dos
sorrisos, nada pesados, leves, flutuantes como balões, nunca falaram, nem da
banalidade do tempo, está um dia lindo não está, dizem que não vai chover, que o
tempo assim toda a semana, que se tu ao meu lado, assim até ao fim dos meus dias.
Depois culpa o
tempo ou desculpa-se com a falta de tempo.
Porque num ápice
chega o 42 que a leva para o outro lado da cidade ou chega o 128 e, resignado,
enfia-se nas suas entranhas.
Assim, ou ao
contrário, sem regra.
Assim, de segunda
a sexta: o paraíso.
Depois o inferno, o
paraíso do avesso, adverso, perverso, sem poesia, sem verso.
O inferno são os
Sábados e os intermináveis Domingos.
O inferno são os
meses quentes de Verão, quando um ou outro de férias.
Raquel Serejo Martins
Foto: Vitorino Coragem
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