Meu querido José
Escrevo-lhe já de Coimbra, em pleno Jardim Botânico, onde as
tílias e as árvores dão início a uma cerimónia solene e colorida. Apesar de o
José afirmar que nos conhecemos aqui, debaixo destas venerandas árvores, numa
fantástica tarde de Setembro de há cinco anos atrás, bem sabe que isso não é
totalmente verdade. (Compreendo a sua ânsia de me dar forma literária, de me
valorizar esteticamente, quando eu, homem de viagem e das grandes paisagens,
fui feito para viver na carne e no sangue).
Mas escrevo-lhe num destes verdes banquinhos que se encontram
debaixo das vetustas tílias que enfeitam este pedaço de terra ao jeito de um
empírico jardim inglês. Sabia que os jardins também reflectem o pensamento dos
homens? Um jardim geométrico, dividido por cores e formas, por espécies e estações
reflecte um homem racional, imbuído de lógica, de segurança, de estabilidade e
de desejo de harmonia em todo o Cosmos. Um jardim em jeito de bosque, onde as
heras avançam livremente e as flores abundam numa explosão de cores
impressionistas e as árvores pintam o fundo em pontilhados vários, é um jardim
de uma alma livre e prática, que sabe onde começa a Natureza e sabe também
quando o homem deve intervir, meramente como um jardineiro tolerante e
sorridente, que rega as suas plantas, colhe as suas flores e saboreia os seus
frutos. Como disse o velho Voltaire: Il
faut soigner son jardin.
E por falar em jardins ingleses, voltemos àquela ilha mítica.
Não a Grã-Bretanha, a outra, a do Chipre.
Segue mais uma ingavetável impressão dos Cadernos de Nicosia,
jovem sonoro. Desta feita, Beethoven subtrai-se às estrelas como Wagner se
subtrai a toda a Humanidade.
Efraim lá continua por terras de Judá e da Galileia,
peregrinando com a sua família não num burrico afagado por folhas de palmeiras,
mas antes pelo ar condicionado de um qualquer automóvel feito nas Ásias
eletrónicas e digitais. Loucuras!
Bom, pensando melhor, deixe a impressão de Nicosia para a
próxima semana, pois é bastante provável que vá desaparecer por uns dias.
Um abraço deste sempre
Seu
Gonçalo V. de Sousa.
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