"O maior chato é o chato perguntativo. Prefiro o chato discursivo ou
narrativo, que se pode ouvir pensando noutra coisa… Me lembro que fiz um
soneto inteiro — bem certinho, bem clássico e tudo — durante o assalto
ao Quarto do Sétimo, isto é, quando um veterano de 30 me contava mais
uma vez a sua participação nas glórias e perigos daquela investida.
As velhotas que nos contam seus achaques também são de grande inspiração poética.
Mas que fazer contra a amabilidade agressiva do chato solícito? Aquele
que insiste em pagar nossa passagem, nosso cafezinho, ou quer levar-nos à
força para um drinque, ou faz questão fechada de nos emprestar um livro
que não temos a mínima vontade de abrir…
Ah! ia-me esquecendo dos proselitistas de todas as religiões. Os
proselitistas amadores, que são os piores. Quanto aos sacerdotes que
conheço, registre-se em seu louvor que eles sempre me falam de outras
coisas. Ou me julgam um caso perdido ou um caso garantido… Bem, qualquer
que seja o caso, deixam-me em paz.
O que pode acontecer de mais chato no mundo é o chato que se chateia a si mesmo, o autochato.
Para essa extrema contingência, descobri em tempo que a última solução
não é o suicídio. É escrever, desabafar para cima do leitor, o qual, se
me leu até aqui, a culpa é toda dele.
Há gente para tudo…"
Mário Quintana
* Publicação do Caderno H, 1973.
** escolhido por Penélope Martins
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