Meu querido José
Que indesvendáveis
misteres são esses que o prendem ao silêncio das águas cristalinas, graníticas
e verdes, da infusa!, do Norte?
Que céu superiormente
belo, ledo e estrelado é esse que o liga aos astros dos nossos pais celtas e
gaélicos?
Há duas semanas que não
nos encontramos nas palavras…
Escrevo-lhe já fora de
Coimbra, pois não aguentava mais o calor de zinco e de “turistas” desta pequena
cidade. Voei até ao seu Norte. Estou por Celorico de Basto, meu querido jovem
frenético, meu belo jovem do verde sonhador.
Encho-me das águas dos
regatos e dos ribeiros, caminho debaixo destas ramadas abençoadas por gerações
anteriores: meu bisavô, meu avô, meu pai e meus avós antes de meus avós, já no
tempo dos bravos Sousas, intendentes, escudeiros e companheiros de lança e
espada do senhor Dom Afonso Henriques. O vinho já o conhece: fresco, jovem,
claro e musical. Efraim, por estranho que possa parecer, encanta-se de todas as
vezes que voltamos a Celorico. É um novo canteiro de rosas bravas, coloridas e
perfumadas, que desponta entre os jardins, é um novo cantar de água que chilreia
pelos tanques de pedra que rivalizam com o número de igrejas, capelas e
devotos.
E o Tâmega, jovem das
nortadas espirituais, o Tâmega!... esse rio que jiboia por entre estes montes e
pequenas montanhas, um pequeno rio tímido mas ainda límpido, enquanto o homem,
chafurdado em noções de Economia, de Política, de Direito e de Tecnologia, não
tem a brilhante ideia de construir barragens que suguem a vida deste bendito
recanto de terra.
Lembra-se da nossa
conversa a propósito dos turistas ao longo do tempo e da história?
Muito do que falámos é
verdade. Viajar por todos os continentes, países, cidades e recantos. Viajar e
nunca perder o interesse e a curiosidade por todas as coisas. Quando o cansaço
apertar, voltar a algum recanto de terra e de céu e de água onde possamos
descansar e voltar a encontrar-nos numa correria de infância, num pêssego
roubado da quinta vizinha, num beijo roubado por entre os corredores, das
tardes de silêncio debaixo de uma tília e do pedaço de literatura que tudo isto
tem.
Se sítio há ao qual
possa chamar casa é Celorico, jovem das aventuras de papel. E o som das rabecas
e das violas, das janelas com pessoas dentro que sorriem e cantam e conhecem
todo o mundo porque o mundo é do tamanho dessas janelas onde se escondem
tesouros de cubas e de fumeiros e de um canto de borralho sempre pronto a
contar uma história de lobisomens e de miragres. Sim, miragres. Por aqui ainda
se fala em milagres como no tempo do senhor D. Denis.
E depois os bailaricos
onde há sempre o porco no espeto, as canecas de zinco com a cerveja artesanal
as brancas e imaculadas malgas de verde tinto que são bênçãos de Baco. E as
velhas, muito velhas, muito sábias, com as suas mãos de sol e de terra e de
flores, que sempre que me vêem sorriem e dizem, ó menino Gonçalinho passe lá
por casa que este ano foi ano de tomates e de coibes coração de boi. Passe por
lá menino, a gente ainda sabe fazer um bom caldo cegado. Olhe que este ano
tivemos boas choiriças, o meu Ernesto até me disse, garda umas quantas pró
menino Gonçalinho, que ele gosta bem.
Por isso, meu caro
jovem das aldeias de sol, como poderia eu não estar em casa neste Portugal
profundo, encantado, genuíno?
Aguardo, assim, a sua
visita, pois encontrámo-nos tão perto que impossível seria o jovem das aldeias
de sol não me fazer uma visita. Prometo-lhe a broa de milho quente e aquele
Barreirinhos, ainda sem rótulo, morangueiro, espadeiro, de que tanto gosta.
Prometo-lhe alguns papéis e pedaços soltos de palavras que me fizeram acreditar
em grandiosos projetos de literatura, nunca encetados.
Venha até Celorico, meu
caro José. Vamos escutar, juntos, com Efraim, os segredos que fazem destas
terras abençoadas húmus de tanto mistério e redenção.
Seu
Gonçalo Viana de Sousa
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