quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Corre o rio, corro eu

Da varanda da minha casa vejo um rio que corre sem margens. Há o rio e não há mais nada, o que importam as margens quando no rio todas as cores do arco-íris arrumadas ao acaso. Hoje compreendo que o rio é fruto das tardes que todos os dias se constroem apenas de um cristal muito fino. Esse mesmo cristal, sempre em silêncio, sobre o rio se vai estendendo e então os gemidos das estrelas tão bem refletidos numa porção de vida que aparenta nunca poder acabar.
Vive o rio e existo eu, longe, íntimo, ao rio tenho-o mas ignoro se alguma coisa me tem a mim. Tenho várias coisas fora do mundo, o rio corre e tento acompanhá-lo, deixo-me ir ao ritmo de um silêncio que se revela o mais completo que conheço. Afinal de contas prolongo-me nos membros da minha imaginação. Só por isso te tenho, rio, tão perto e ao mesmo tempo tão longe.
Vejo-te rio e compreendo que para ti não há idades. Talvez o tempo seja uma invenção minha porque não consigo compreender a tranquilidade e a imutabilidade com que todos os dias te vejo, sempre igual, próximo de tudo e distante de nada, tão pouco igual a mim.
Diz-me rio se também tu me vês, eu que existo cá em cima abrigado dos poderes do céu, tu que vives aí em baixo comandando os poderes da terra. Inventas a saudade que nunca consegui conhecer, na mão tens todos os desejos do mundo, no peito todas as vidas.
Diz-me rio se para ti a eternidade é uma opção ou se também tu acabarás dormindo sobre um mar de chamas, entre castanheiras e plátanos, procurando entre espaços o que até hoje ninguém encontrou.
Um dia a indecisão do que se é e no outro a certeza que o único passo é fazer. Mais te pareces com um diamante infinito, por suaves linhas passas as palmas das mãos e então corres num padrão perfeito. Ignoro se dormes sozinho rio. De uma forma ou de outra hás de permanecer brilhante e cristalino, luminoso, isto enquanto eu me alimento da luz que me emprestas, não podendo dar nada em troca.

Gonçalo Naves

Foto tirada daqui: http://www.joaoanatalino.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=4444653

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