sexta-feira, 3 de julho de 2015

Um dia serei bom aluno

Findo o meu ensino secundário não a outro curso me posso candidatar que ao mestrado integrado de valores humanos e normas morais na conhecida Universidade da vida. É a média baixíssima e provas de ingresso não são pedidas, melhor não pode haver, o pior é que por aí se diz que não há grandes saídas profissionais para quem nessa área se especialize, ai que chatice.
Tudo aprendi nestes doze anos de escola. Aprendi como surgiu o Universo, parece que de uma grande explosão, por ordem alfabética (e na ponta da língua) sei todas as capitais da Europa e mais umas quantas do resto do mundo, têm umas nomes engraçadíssimos, domino as diferenças entre a educação que teve o Carlos da Maia e a que teve o desgraçado Pedro da Maia, sim senhor, prometo que não me vou esquecer que o Carlos falhou apesar da educação e não devido a ela. Aprendi também muitas coisas do Freud e do Descartes e do Platão, sem dúvida que muito esclarecidos de entendimento eram, homens desses não se fazem já, boas castas foram essas. Aprendi o que é o predicativo do complemento direto (este o ensinamento mais custoso de assimilar, apenas em vésperas de exame, obrigado Professora) e, mais importante que tudo, tornei-me medianamente bom a resolver problemas matemáticos que sempre na mesma base de raciocínio assentam, só a dificuldade foi crescendo de ano para ano: diga quantas peças de fruta comprou o João sabendo que comprou dez pêras e vinte maçãs (isto no primeiro ano), diga como se chama a tia materna do João sabendo que o senhor da mercearia tem quarenta e oito anos e ontem à noite jantou coelho à caçador feito pela empregada que tem uma filha chamada Mónica que anda metida com o filho do Zé da construção (isto no décimo segundo ano, ninguém o conseguiu resolver, não estudam nada são uma vergonha, a professora sempre muito impaciente).
Está mais que visto que me ensinou a escola todas as coisas do mundo que posso desejar saber. Eu e os meus colegas saímos do ensino secundário de facto muito sabedores, penso que nos podem (devem) chamar de doutores ou de professores ou, não sendo o incómodo o bastante, de professores doutores. Ora, sucede que com tantas toneladas de sabedoria entranhadas da cabeça aos pés me sinto numa enorme e muito chata crise de valores morais. O sobejo do que me foi ensinado de Matemáticas e Línguas e Ciências e Filosofias não me parece compensar o defeito do que não me foi passado em termos de valores humanos e morais. Engraçado que o maior valor que me foi incutido na escola foi o de que é errado copiar por colegas nos testes, foi o segundo maior o de que mais errado é deixar que os colegas copiem do meu teste. Graças a isso sou hoje um forreta excecional e não deixo que ninguém copie por mim. Por outro lado, se me dá a vontade de deitar o olhinho para o teste da colega sinto-me logo numa vida profana e sem regras nem limites, de maneiras que me tento acalmar respirando fundo e bebendo um copinho de leite, minutos depois já estou fino.
Resultado: nós, pré universitários, sobre tudo sabemos falar, adultos não têm a mais pequena hipótese contra nós em cálculo mental, a escrever somos apenas sublimes, conhecemos o Universo de uma ponta à outra e não copiamos nem deixamos que por nós copiem em tudo o que é teste e exame e ponto e prova. Outro resultado: nós, pré universitários, não temos bem noção do certo e do errado, do bem e do mal, do que deve ser feito e do que deve ser evitado. Dito isto, só me resta tentar entrar num curso que me consiga passar meia dúzia de valores que na vida me façam falta (se é que farão, do contrário me têm querido convencer), sou tão inteligente e sabedor que por certo não terei dificuldades de maior nessa aprendizagem. Resta-me também saber quem serão os professores das cadeiras desse curso e que sebentas terei que ler a fim de ter positivo aproveitamento, questões estas às quais agradeço esclarecimento prévio.

Gonçalo Naves

                                                 Foto tirada daqui:http://www.sol.pt/noticia/384914

1 comentário:

  1. Concordo com muito do que diz. Os programas estão errados (não faz ideia do que é o programa de matemática do 2ºano - antiga 2ªclasse); um absurdo!!

    Há muita coisa errada, mas a escola também tem que ser um lugar para aprender. Aprender e aprender a pensar. Há conhecimentos que têm que se decorar (não há volta a dar)...

    Mas quanto aos valores, a noção do certo e do errado, a noção de bem e de mal, essa começa em casa desde que a criança começa a ver, falar, pensar. E não só com palavras, mas com exemplos. A escola só completa e reforça a educação que vem de casa.
    Não se pode culpar a escola de tudo.

    Dou-lhe só um ou dois exemplos: Não adianta muito dizer a uma criança que entra na escola, que deve lavar as mãos quando vai à casa-de-banho, se ela em casa nunca o faz. Claro que a escola não desiste! Eu não desisto nunca!
    Não adianta dizer a uma criança que não deve deitar lixo para o chão, se ela vê os pais fazê-lo constantemente.
    Não adianta dizer a uma criança que deve ser honesta com os outros e respeitá-los, se ela vê os pais serem constantemente "chicos-espertos".

    Uma boa educação e completa, tem que ser feita em conjunto casa/escola.

    Desculpe se me alonguei, mas custa-me que se esteja sempre a criticar a escola por tudo.
    É fácil criticar, mas sabemos perfeitamente que se muitos jovens são aplicados e se esforçam (e esses nem põem em causa o não copiar) também há por aí muita malta que só gosta e pensa na "farra", na boémia e não respeita professores nem colegas. E não são poucos. Sabe disso!

    Bom fim-de-semana:)

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