Meu querido José
Que futuro será este,
economicista, que a Europa quer para os seus? Povos humilham povos e
vangloriam-se de feitos que de heroico têm somente a falta de heroísmo e de humanidade!
(Sim, jovem das antíteses literárias, há tanta humanidade na falta dela como no
amor, é sempre uma questão de perspectiva!).
É por falarmos em
Europa e, claro está, nessa formidável Hellas, que lhe faço chegar mais uma
impressão da longínqua, bela e mitológica Nicosia, esse país navio.
Julgo mais que tempo de
retomar os ventos elísios, os da escrita, não os do sangue, que bolinam para
essas paragens tão mediterranicamente líquidas.
Sei-o de malas aviadas
até às belas terras de Entre Douro e Tâmega. De malas e de livros, disse-me
Efraim! O enorme semita agradece-lhe imenso a viola amarantina e os doces desse
tão afamado santo (das velhas o predilecto!). Saúdo-o com um gesto largo,
enófilo e trigueiro, agradecendo-lhe a bela colheita de verde branco que me
trouxe das terras de Celorico de Basto! Que néctar!
Abraços muitos de
Efraim.
Um só, apertado e com
este cheiro a Europa, do
Seu
Gonçalo V. de Sousa.
Em Nicosia o
mundo é mais pequeno, mais quente e mais aromático. As ruas desta cidade
capital são assertivas e luminosas. Os perfumes conjugam-se com as palavras
mais estranhas e mais esdrúxulas que uma língua é capaz de conjugar. Aqui as
especiarias são longos rasgos românticos de um qualquer viandante. O cheiro a
pão quente das pequenas padarias de esquina é como uma promessa de tardes
felizes e familiares, onde o pater familias
ou a mater famílias, pois
necessidade não há nenhuma em saber se mulher ou homem regressam a casa depois
de um dia de trabalho e de coisas de adultos. Interessa, sim, aquele
ante-momento de chegar a casa, a expectativa dos filhos, dos sofás ansiosos,
das janelas corridas e do vento que sopra suave porque é calmo e ledo qualquer
passo certo e risonho.
Assim, chegar a
casa nas tardes de Nicosia é chegarmos a nós mesmos. Mas o que somos nós,
Efraim, senão o olhar que os outros nos dão? Somos olhares de terceiros,
criações alheias ao que supusemos nosso.
Quando nos
levantamos da cama não somos os mesmos que nos deitamos ainda a noite largava
ténues raios lunares, ainda que falsos. Cada dia nascemos das cinzas do whisky
da madrugada anterior. E há tantos whiskies e tantas madrugadas!
Em certa medida,
somos invenção dos outros, criação terceira a nós próprios. Maquinações de quem
nos olha ao longe, disfarçadamente, sombriamente, interessadamente.
Enquanto houver
multidões anónimas, poderemos estar descansados, Efraim. Enquanto houver
multidões cosmopolitas poderemos flanar anónima e deliciosamente sós.
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