Meu querido José
Escrevo-lhe já em
terras deste nosso país, no recanto de céu e silêncio e whisky ou gin,
dependendo das circunstâncias, que se impõem.
A solenidade não
satisfaz a todos, mas estas noites de Verão sempre me lembram Nicosia, o Rio e
Ela, bela, nume e ubíqua a qualquer vontade ou desejo. A minha Isolda dos
cabelos dourados.
Não, jovem das
imaginações líquidas, não lhe falo de pessoas de carne nem de papel, falo-lhe
de algo anterior a tudo isso. Falo-lhe dessa vontade de escrever que se crava
no desejo supremo de uma visão, de um suspiro, de um olhar.
Enfim, segue a missiva
que pude fazer, já enviada a horas tão propícias a tudo e tão adaptáveis ao
nada.
Somos feitos de nada e
de silêncios.
Leia em silêncio, num
silêncio solene, crístico, estético e humano.
Efraim manda-lhe este
pequeno exemplar, primeira edição!, da Ilustre
Casa de Ramires, com um abraço do tamanha de Israel e da Judeia.
Seu
Gonçalo Viana de Sousa
O que nos leva a escrever senão este
ante-estar entre o ser e o sonhar? Escrever só pode ser uma forma de adiar, e
ao mesmo tempo, de confirmar a nossa solidão de tardes entre os laranjais da
nossa infância. O silêncio será o nosso único consolo, dizia meu pai. Havemos de encontrar o silêncio
cintilante, lá longe, onde as estrelas brilham, lá longe, onde, como disse
Byron, os pássaros não ousam fazer os seus ninhos. Se me considero um
flâneur é porque me sei de realidade e de sangue, mas o céu é tão longínquo e
de uma cor tão azul e ao mesmo tempo de um esmaecido desmaiado. Uma cor que
inclui todas as cores do mundo e exclui todas as outras pessoas, ruidosas,
superficiais.
Todas as
noites são uma impressão externa à minha sensação, musical, indescritível,
inenarrável, de todo este mistério, grande, glorioso, incomensurável. Não é
amor ou carícia. É espanto. Um espanto olímpico, ao mesmo tempo infernal,
eléctrico, imparável, capaz de comungar com as fúrias filhas do Olimpo toda a
raiva de um mito esquecido e guardado em bibliotecas poeirentas.
Se ao menos
Bernardo Soares fosse vivo…
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