sexta-feira, 10 de julho de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Meu querido José

Escrevo-lhe já em terras deste nosso país, no recanto de céu e silêncio e whisky ou gin, dependendo das circunstâncias, que se impõem.
A solenidade não satisfaz a todos, mas estas noites de Verão sempre me lembram Nicosia, o Rio e Ela, bela, nume e ubíqua a qualquer vontade ou desejo. A minha Isolda dos cabelos dourados.
Não, jovem das imaginações líquidas, não lhe falo de pessoas de carne nem de papel, falo-lhe de algo anterior a tudo isso. Falo-lhe dessa vontade de escrever que se crava no desejo supremo de uma visão, de um suspiro, de um olhar.
Enfim, segue a missiva que pude fazer, já enviada a horas tão propícias a tudo e tão adaptáveis ao nada.
Somos feitos de nada e de silêncios.
Leia em silêncio, num silêncio solene, crístico, estético e humano.
Efraim manda-lhe este pequeno exemplar, primeira edição!, da Ilustre Casa de Ramires, com um abraço do tamanha de Israel e da Judeia.
 Seu

Gonçalo Viana de Sousa


O que nos leva a escrever senão este ante-estar entre o ser e o sonhar? Escrever só pode ser uma forma de adiar, e ao mesmo tempo, de confirmar a nossa solidão de tardes entre os laranjais da nossa infância. O silêncio será o nosso único consolo, dizia meu pai. Havemos de encontrar o silêncio cintilante, lá longe, onde as estrelas brilham, lá longe, onde, como disse Byron, os pássaros não ousam fazer os seus ninhos. Se me considero um flâneur é porque me sei de realidade e de sangue, mas o céu é tão longínquo e de uma cor tão azul e ao mesmo tempo de um esmaecido desmaiado. Uma cor que inclui todas as cores do mundo e exclui todas as outras pessoas, ruidosas, superficiais.
Todas as noites são uma impressão externa à minha sensação, musical, indescritível, inenarrável, de todo este mistério, grande, glorioso, incomensurável. Não é amor ou carícia. É espanto. Um espanto olímpico, ao mesmo tempo infernal, eléctrico, imparável, capaz de comungar com as fúrias filhas do Olimpo toda a raiva de um mito esquecido e guardado em bibliotecas poeirentas.

Se ao menos Bernardo Soares fosse vivo…

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