quarta-feira, 29 de julho de 2015

É do borogodó: MENINAS DE SINHÁ


MENINAS DE SINHÁ

Tive a felicidade de brincar muito de roda. Minha mãe brincava comigo e com as crianças da rua que a gente morava. Outros adultos, vizinhos, também se juntavam à ciranda. Minha avó brincava com os netos no quintal da casa dela, mesmo dia de domingo que todo mundo se juntava para comer macarronada. Meu avô fazia a gente dançar o vira para lembrar Portugal, ele tocava a consertina, cantávamos alecrim dourado naquele mesmo ritmo.

Brincar de roda era juntar cantiga, correria, mistério, verso, passa anel, lencinho na mão. Não tinha tempo de acabar aquilo. E nunca acabava.

Na volta da casa dos avós, minha mãe puxava as canções batendo palmas. O caminho era muito melhor de passar.

Eu não sei cozinhar sem cantar. Quando tenho roupa para lavar, tenho que cantar. Criei meus filhos com música e na hora de dormir, os primeiros anos de vida deles, era balanço e cantiga.

A criança que mora em mim reconhece na música um diálogo com o outro, um melhor entendimento do que eu sou.

E nesse mundo tem gente interessada em dialogar, saber do outro, pegar na mão para girar a ciranda. A história das meninas de sinhá vem para nos ensinar sobre essa capacidade humana de motivar o outro a acreditar em si mesmo através da impatia, do estar junto, lado a lado.

Esse grupo de senhoras do aglomerado do Alto da Vera Cruz, em Belo Horizonte, foi formado por dona Valdete. No vídeo, dona Valdete conta que percebeu que suas contemporâneas estavam se consumindo em depressões e uso de remédios, por isso ela teve a ideia de juntar a mulherada em noites de artesanato. Mas a ideia não resolveu o problema, o uso de psicotrópicos continuava e a infelicidade era um estado de espírito constante. Foi, então, que dona Valdete trocou o fazer artesanato pela brincadeira: juntou as meninas para cantar e resgatar memórias de infância.

Deu certo. Deu muito certo.

As Meninas de Sinhá formaram uma irmandade que já se apresentou em diversos lugares ao lado de artistas famosos – tanto quanto elas.
A leitura de mundo de dona Valdete salvou vidas. Não só daquelas mulheres mineiras afetadas diretamente pela provocação dela, mas a de todos que entram em contato com esse trabalho, bendita fonte de crescimento do amor próprio e diálogo permanente.

O exemplo de Dona Valdete faz parecer fácil mudar o mundo. Eu gostaria de beijar as mãos de Dona Valdete. Mãos que seguraram outras mãos para brincar de roda e deixar a magia acontecer.

Minha sabiá (esteja onde estiver), mando um beijo num sonho procê.

*É do Borogodó, por Penélope Martins (ponte para o Brasil, pois claro!)

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