sexta-feira, 10 de julho de 2015

Aqui vai nascer um projecto diferente de gin: Magellan, por Rodrigo Ferrão


Magellan

entro no bar e observo as vidas que se arrastam pela tristeza.
nas mesas jazem copos - objectos nada preocupados com as perspectivas das coisas (nessa equação tão simples, redutora e singular... do meio cheio, do meio vazio).

aproximo-me de uma mulher que fuma um longo e fino cigarro.
peço-lhe isqueiro e aceno ao rapaz
- dá-me um gin, rosno.
ele olha para mim,
ele olha para a moça,
ele olha para as garrafas,
ele escolhe o que quer.

começa o ritual de dança à volta do copo cheio de gelo.

fala-me de viagens e grandes navegadores,
nas rotas de especiarias,
de enormes barcos carregados de cravinho,
mares sem fim
e diferentes cores nos céus distantes.

dou o primeiro travo e sinto o gelo. a garganta seca (como o deserto) parece ter o descanso merecido. sinto no estômago o conforto do frio e percorre-me um calafrio na espinha.

de repente, sinto que não estou naquele espaço, convoco as memórias do mar da minha infância, deixo cair uma lágrima na palma da mão e limpo o nariz nas mangas da camisa.

tiro um valium do bolso e atiro para o copo.
despeço-me do meu engate falhado,
despeço-me de mim próprio com um abraço apertado
e bebo num trago o que me resta.

que a noite seja o amparo merecido
da filha da puta de vida que levo.

Rodrigo Ferrão

Porque aqui vai nascer um projecto diferente de gin, não perca os nossos poemas.

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