domingo, 21 de junho de 2015

Todos os meus amigos vão ser tudo a todas as horas


Todos os meus amigos são espetaculares, fantásticos, sublimes, geniais. Grande sorte a minha em me dar com gente tão talentosa. Acontece que meia dúzia deles vão ser os melhor sucedidos gestores do mundo, quatro ou cinco génios por certo serão especialistas nas coisas das Matemáticas e afins e tenho também três amiguinhas que não menos vão ser que as mulheres mais bonitas do mundo, curioso que nenhuma tenha de nome Maria Carla. Mas mais curioso ainda é que enquanto vão ser eles tudo a todas as horas continuo eu a perder-me nos desenhos animados da manhã de Sábado, a fazer pirâmides de canetas (canetas sempre sem tampa, desgraça) nas aulas de Português, e, ao menos isto todos os dias e a todas as horas, a andar com as meias trocadas. É o meu dia feito da seguinte forma, atentai
Mal chego a casa e me ponho à vontade, a minha mãe a tirar o avental e a ralhar-me
-Então rapaz foste outra vez com uma meia de cada nação para a escola, não tens atenção nenhuma, os professores ainda te baixam as notas por causa disso e depois não podes ser arquiteto nem veterinário nem advogado nem juiz
Pouco demoro a ignorá-la e então eu no quarto a fim de qualquer coisa relacionada com livros e histórias e coisas dessa espécie, no exato momento chega a minha avó e desde logo eu interrompido
-Então rapaz já sabes para que curso queres ir, dava jeito um médico na família, eu e o teu avô já não vamos para novos e queremos ver um médico na família, ouviste, queremos ver um médico na família
Por isso eu rapidamente a delegar essa responsabilidade para os meus irmãos que tão mais talentosos que eu
-Ouviram, é preciso um médico na família, um de vocês tem que ser médico, tirem à sorte desenrasquem-se
Nisto no devido acompanhamento da esposa chega o meu avô e
-Então rapaz vais ser engenheiro como o teu pai, vais ser engenheiro ou professor, decide-te lá
Nesse momento eu a pensar se quererá ele que eu seja professor de Matemática ou de História ou de Física ou de Economia ou se quererá apenas que eu professor a fim de me tratarem como doutor Gonçalo ou professor Gonçalo ou outra distinção dessa gíria
-Não avô não gosto dessas coisas, vou ser escritor de sonhos
E com estas palavras os olhos dele caídos e pisados, no chão mortos, a cara a mais desiludida do mundo e quase uma lágrima a desabrochar
-Escritor de sonhos o que é isso, se queres dizer escritor de livros fazes mal, tens que arranjar ofício que dê papel, deve um homem ter sempre troco no bolso
Depois de pausa sofrida eu a pensar-lhe nas palavras e realmente ele com alguma razão, são os velhos sabedores destas ciências
Finalmente chega o meu pai todo engravatado e com uma das alças da pasta do computador servindo de esfregona
-Já marquei as férias, vamos duas semanas ali à Índia e ao Brasil e ao Dubai e à Austrália
E o meu avô para mim, já recuperado dos tormentos
-Vês do que te falo, troco no bolso, atenta no teu pai

Vá lá que tenho uma gaveta cheia de sonhos e os bolsos a transbordarem de vontades, há de servir isso como troco nalgum sítio. Em caso negativo, desenvolvo vida a atentar na genialidade dos meus amigos. Pode ser que algum deles se lembre dos sonhos que na juventude lhes emprestei e quem sabe mos devolva já com as arestas limadas, presente precioso, uma troca em que o tempo prolonga o infinito da amizade e onde já não há lugar para génios.

Gonçalo Naves


Imagem tirada daqui: http://tagaiatin.blogspot.pt/2011/04/indecisao-parte-3.html

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