Meu caro José
Eis que lhe escrevo
somente a missiva, curta e breve, pois tem consigo, há séculos, uma impressão
de Nicosia que já deve ter a poeira
dos séculos!
Tenho tido
interessantes sonhos, uns reais, outros fingidos. Uns de carne, outros de
papel. Todos eles verdadeiros!
Como deve saber, ontem
celebraram-se os 150 anos da ópera de Wagner sobre uma das mais antigas
histórias de amor de todos os tempos: Tristão e Isolda!
Das lendas da Cornualha
e do mundo céltico-gaélico até à ópera Wagneriana e desta até aos nossos dias,
Tristão Isolda continuam tão amantes como no instante a seguir àquele em que
beberam do vinho perfumado que, para sempre, os enfeitiçou.
Com Isolda me despeço e
com Tristão o cumprimento!
Um forte e fraterno
abraço
Seu
Gonçalo V. de Sousa.
Impressão tardia
As tardes de Nicosia são suaves e doces. A aragem traz
no seu regaço versos e tercetos de Petrarca. A luz é um diamante vivo. O
entardecer em Nicosia é mitológico. Sinto as aragens que trouxeram os grandes
navios oitocentistas para estas paragens, aportando em La Valleta em direcção
ao Cairo, avistando a Turquia e as ilhas gregas e Minos imponente, rochosa,
azul e labiríntica.
Os grandes paquetes fazendo a travessia até ao Suez,
até esse Oriente das nascentes e da Humanidade, onde as crianças ainda brincam
descalças e as palmeiras crescem porque o tempo é justo e os anciãos sabem-no.
Em Nicosia conhecemos o mundo. E o que é o mundo Efraim?
Não mais este copo, formidável semita. Preciso daquela
água crística, santa e pura que brota e rasga as pedras milenares e proféticas
de todas estas terras orientais que viram nascer todos os deuses em que
deixamos de acreditar.
A tarde desce pelas montanhas altas e um azul
esmaecido e líquido se desenrola como a cortina de uma ópera do tempo de
Francisco José, o das barbas austríacas.
Agora que me lembro de Francisco José, sinto uma
nostalgia imensa de dançar aquelas valsas do pai e do filho, que perfumavam os
salões de rosas, de malvasia e de perfumes imperiais.
Nicosia é a porta para todos estes mundos. A Ocidente
e a Oriente. Do Ocidente de onde nos vem o gosto e a noite e do Oriente de onde
nos vem o mel, a Mulher e a Beleza de todas as coisas.
Amar as cousas belas acima de tudo menino!, dizia meu
avô.
É isso que vale a pena, Efraim: amar as coisas belas
mais do que a nós mesmos. Nós passamos, o tempo e o caruncho comem-nos, mas as
Coisas Belas permanecem, crescem e brilham como faróis que guiam esta
humanidade peregrina e turista sempre em busca do outro lado da tempestade.
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