quarta-feira, 13 de maio de 2015

Não se admire de tão grande abandono escolar senhor ministro

Entro na escola sou logo abordado por uma senhora com o penteado semelhante ao do meu irmão que me esbarra o caminho e
-Onde está o teu cartão rapazola onde está o teu cartão rapazola
E eu a pensar se alguma vez algum cartão da escola e a concluir que sim mas que decerto já perdido algures no mundo e por isso
-Não o trouxe minha senhora, posso passar, vou ter aula
E ela toda vaidosa lá do alto da autoridade que lhe empresta a bata branca
-Passa lá rapazola eu deixo-te passar aproveita que estou de bom humor
E no seguimento eu numa vénia bastante agradecido para com a senhora que tão bondosa me deixou passar
-Obrigado e bom dia minha senhora
E ela sem retribuir a educação, meio aceno de cabeça demasiado distante e o nariz o mais empinado do mundo
Dez para as dez há ainda tempo para ir ao bar
Diz o senhor Custódio
-E tu jovem o que vai ser jovem hã jovem
E eu indeciso, o olhar preso no expositor, que há-de ser que há-de ser, são os mais simples os maiores dilemas da vida
-Um Croissant de chocolate senhor Custódio se fizer o favor
-70 cêntimos jovem vou já buscar
E portanto eu a contar os trocos e a demorar uma eternidade, moedas pretas que são as que prefere ele, já lhe conheço as teimas, todos os dias negoceio com o Senhor Custódio
Nisto lá atrás um sócio vestido como se fosse a escola Torres Vedras e o tempo Carnaval
-Despacha-te lá oh palhaco vai tocar tenho que ir para a sala oh palhaço
E eu a continuar na contagem dos trocos, 50, 55, 60, às duas por três um toque no braço e tudo caído no chão
-Mreda que filha da que filha da
Em simultâneo com estas minhas palavras um sócio mais novo com o mesmo gosto caricato em termos de vestuário a apanhar as moedas do chão, por certo deve também querer fazer negócio com o Senhor Custódio, pensou ele que não o vi, foi-se embora a trote todo contente
E logo a seguir o outro sócio de há bocado ainda na insistência
-Oh palhaco vai-te masé embora pá ganda palhaço
Tomo-lhe as palavras como certas e vou-me por isso embora, ficou-me um dos sócios com as moedas, ficou-me o outro com a vez na fila, fiquei eu sem croissant e vazio de trocos
Cinco para as dez é hora
Eu a subir as escadas quando umas pernas transbordando calor ali à frente e por isso a minha vista tão concentrada nessas matérias de pernas e outros materiais quase à vela que perco a atenção aos degraus, resvala-se-me um pé seguindo-lhe o outro o caminho e bumbas caio quadrado com um baque de estaca de madeira
E logo em auxílio
-Tão puto precisas de ajuda puto eu ajudo-te puto
Lá me levanto apoiado todo no puto que meu grande companheiro, lá se riem as pernas da minha queda, lá eu as mando para aqui e para ali no silêncio do pensamento, finalmente me respondem elas com sorrisos, grande charme que tenho
Nisto uma sócia com a barriga ao léu (é a minha escola uma exposição de peles femininas, as há de vários tons) a descer as escadas esbaforida e em gritos que ouvidos para lá do Marquês
-Meus putos meus putos não temos aula a stôra faltou ganda mel meus putos
Está neste ponto o meu dia feito, não aula não croissant não moedas e umas nódoas negras nos membros, vou-me deitar que assim com certeza não mais peripécias, não se admire de tão grande abandono escolar senhor ministro

Gonçalo Naves


Foto tirada daqui: http://www.outracoisa.com.br/?p=10130

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