José,
Eis-me de novo por terras
portuguesas, após mais uma viagem por esta velha Europa.
Noto que temos andando
desencontrados no silêncio, pois nem eu lhe escrevi nem o jovem romântico das
líquidas sensações me escreveu. Menos mal!, diria o Eça.
Escrevo-lhe agora,
entregando-lhe no regaço mais um poema (bastas vezes escrito e reescrito nesse
Paris de neve e de noite, sempre pensando noutras latitudes, noutros olhos).
A verdade é que tenho perdido
vontade de escrever, meu caro. A cada dia que passa é olímpica a vontade de me
entregar a deambulações sem nexo ou propósito, isto se perder-me pelas ruas de
Paris contar como propósito.
Hei-de enviar-lhe uma impressão
do eterno e impublicável Cadernos de Nicosia sobre isso mesmo. Quanto à noção
de impublicável, assim continuará, pois, como já lhe disse bastas vezes, não
vale a pena escrever para os outros, escrever para que os outros leiam. Tudo
passa. Devemos ser somente de nós e darmo-nos aos outros na medida que a ficção
o permita. Mas isto são outros assuntos que contradizem muito do que pensei há
largos, distantes e jovens anos, tempos esse de cabelo liso e castanho e vivo.
Tempo de possibilidades e não de deambulações ao acaso, filhas de infinitos
silêncios.
Lembrei-me do que meu primo
Jobim me disse uma vez, a propósito de uma conversa que tivera com António
Cândido “Cada mulher que eu não tive foi uma canção que fiz”. Penso que é isso
o que se passa connosco.
Comigo é semelhante, mas
diferente. Cada vida que não tive foi um silêncio que criei.
Voltei a Wagner, deixando por
ora as luminosas cores desse meu Brasil.
Regressei aos românticos e
brumosos torreões dos castelos bávaros.
Mas isso será para outro
momento.
Cheguei há dois dias de Paris
(…), depois fui a (…) daí o silêncio. Espero que tenha publicado os dois poemas
como lhe pedi. Sei que o fez. Se o não fez não tem mal, os deuses são bondosos
porque não existem.
Trouxe-lhe mais vinho e
macarons. Conto consigo para a próxima semana (…). Lembre-se do que havíamos
combinado.
Sei que o acordo ortográfico
voltou a criar zum zum . Sabe o que lhe digo: serei sempre contra essae acordo
sem nexo, onde a língua se perde em cadernos legislativos quando se devia
encontrar nos cantares e nos dançares dos portugais e brasis e angolas e guinés
que há por este mundo. Cada pessoa é uma pátria. Mas nenhuma pátria é uma
pessoa. Sei que não é contra o acordo. Sei bem a sua posição, jovem das
futuristas aversões ao comodismo e ao estabelecido!
Respeito-o. Mas não o
compreendo! Nem quero! Culpe o Voltaire, menino, não a mim.
Ainda há-de vir o tempo em que os verbos e os meses do ano serão catalogados pela bolsa! Blague!
Leia este poema e faça dele o
que quiser, meu querido José.
Efraim ficou, ainda mais uns
dias, por Paris. Foi uma boa decisão. Preciso de um tempo, vagaroso e líquido, sozinho, para poder
pensar bem (…). Tal como lhe havia dito, lembra-se?
Bom, a missiva vai longa, mas a
minha vontade de falar consigo (não a vontade de escrever, essa seca-se a todo
o instante) cresce e galopa e dança como se Ida Rubinstein fosse uma barata bailarina
de cabaré de terceira classe.
Escreva-me, visite-me, fale-me.
Não me responda com silêncio, jovem frenético que um dia saberá amar as grandes
paisagens do silêncio.
O poema, coitado, será ofuscado
por todo este meu palavreado, e eu não sei se tudo isto será o efeito da nossa
amizade ou do vinho que me abre os poros para as sensações destes luares de
Maio, tão seráficos e bondosos (e em Coimbra tão pesados e borrados de cerveja
e de gritinhos de meninas de boas famílias que vão sendo apalpadas por mãos
ciosas de filhinhos de doutores que dão consultas nos HUC e nos Covões e têm
consultório privado em Celas!)
Na próxima viagem será meu
convidado! Iremos conhecer a Turquia, país mítico e a Oriente de um Oriente de
toda a Literatura e de toda a Arte. Mas antes de irmos, é Wagner a desenhar os
seus tronos de cetim e de granito, é Wagner surgindo das neblinas dos lagos e
dos bosques.
Ainda hei-de aprender alemão,
caro José.
Hei-de aprender com a (…) a
dizer Träume, e assim encontra-lá-ei
novamente, mais uma vez, naquela redentora manhã de 15 de Março de 1968.
TRÄUME.
Por agora, brindo ao seu
silêncio e à minha solidão.
Um abraço longo, e apertado, e
talvez agradecido,
Do
Seu
Gonçalo
"Sonhos de luar"
Que esta língua
de mar e de céu
Inunde a riqueza
deste país continente,
Deste Brasil que
é um mosaico.
Um Brasil de
Brasis.
Esta doçura
líquida e azul
Que se perde no
som das araras
Voando com os
seus sonhos coloridos
Que são
florestas e morros e luares.
E as noites
sussurrando canções de amor e de amor
Lembrando
aqueles tempos de Ipanema
Ao som das ondas
que não sabiam
Guardar segredos
de cetim e de céu,
Do céu que era
azul porque azuis são os sonhos
Das noites no
Rio de Janeiro.
E assim
viveremos os dois
Sem tristeza que
não seja Amor.
A nossa rua
poderia ser aquela cento e sete
Onde o piano e a
viola e os habanos e o whisky
E a amizade e o
amor dançavam
Valsas
sentimentais de cuíca e de tambor.
“É preciso
inventar de novo o amor”.
Paris, 24 de
Dezembro de 2011.
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