Sentada na praça, aquela que eu nunca vi, mas que, por alguns
momentos, se tornou íntima vizinhança daqueles meus dias de trabalho.
Desatamos a falar da emoção das pessoas com o teatro que ocupava a
praça. Aquela mistura de dança, cantiga, ritual pagão no santo
sacrilégio de dizer o nome de Nossa Senhora para saudar mãe da rua. E a
rua se fosse o berço do próprio Cristo. Cristinhos as crianças que
acompanhavam a retumbada de panos brancos e as fitas vermelhas da
bandeira no teatro de rua.
Foi por causa disso tudo, também das folhas de planta, as espadas de São Jorge, que a mulher me disse:
– Reparou nas mães dizendo aos filhos que a espadinha veio em boa hora?
– Reparei não. O que foi? – Eu repliquei.
– No interior, espada de São Jorge serve pra dar lambada em moleque arteiro – Ela fez explicação.
Depois me disse que ela tinha levado muito de espadada por causa das
tantas que aprontava. Era a avó quem criava a menina, a mesma avó que
empunhava a folha de planta que também era espada nas fuças daquela
criança dragão.
Um dia a menina fez bolo de caca, juntou terra com xixi e outras
porqueiras, para botar numa tigelinha equilibrada por cima da porta de
uma vizinha com cara feia. O resultado foi trágico para os cabelos e as
vestes da vizinha. A melhor tragédia para fazer comédia da molecada toda
que espreitava, esperando o ato principal daquele espetáculo.
A avó entrou no final, epílogo de teatro de rua para a diretora da
cena. Veio com espada e tudo, dando aos olhos da vizinha a certeza que a
criação corrigia a neta.
– Sabe de uma coisa – disse pra mim com olhos marejados – quando
minha avó adoeceu pra morrer, cansei de ficar ao pé dela dizendo ‘fica
boa logo, vem correr atrás de mim com espada de São Jorge’.
A avó foi pra lua contar história para Jorge. Eu chorei bonitinha antes mesmo de descer as cortinas.
Se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar com pedras de brilhante e
deixava crescer espadinhas de São Jorge para os ladinos brincarem com
seus cavalos de pau no meio da praça, sem dor.
Penélope Martins
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