Meu
querido José,
Que
é feito de si, jovem das biográficas tentações? Aguardo, ainda, novas suas em
relação aos textos que lhe enviei. Espero que os vá revelando em doses
lenitivas, não vá o leitor pensar que andamos por cá a inventar pessoas e situações.
Para quê inventar personagens quando o ser humano é a maior figura da ficção
que podemos encontrar?
Deixei
a Irlanda ontem à noite. Encontro-me agora por terras dos touristes e dos flâneurs!
Eis-me em Paris, jovem das paixões para dentro! Tenho revisitado velhos amigos
(Edgar Morin continua um diletante e um intelectual soberbo, para não falar que
ainda gosta do seu passo de dança!) Tenho revivido pelas ruelas de Montmartre e
pelas longas escadarias do Sacré-Coeur toda uma juventude de lírios, passeios,
beijos e revolução.
Envio-lhe
mais algumas memórias e apontamentos. Confesso que alguns destes apontamentos
têm o ensejo que quererem ser aforismos e, sinceramente, não me agrada nada
essa postura de uma escrita semi-pseudo-profética ou de mestre! Blague para
isso, meu amigo.
Tenho
bebido um Chambertin (Já Eça punha o Carlos, o seu Ega e o Craft partilhando
taças deste néctar), que nem os deuses sonham com o seu paladar! Levar-lhe-ei
umas quantas garrafas, esteja descansado. (Sei que do vinho tem o amor, a sede
e a vontade!) O bom gosto, disso trato eu!
Pois
bem, jovem das literárias cornucópias, publique alguns apontamentos que lhe fui
revelando ao longo das missivas, mais uns quantos que ora seguem.
Efraim
andou longo pelos Champs-Elysées, à
procura do 202 de Jacinto! Pobre semita, sempre confundindo o universo do papel
com o da realidade do ferro da Tour Eifel!
(…)
Quanto
àquele outro assunto do qual me pediu conselhos só lhe posso responder: leia!
Leia como um doido! E não comece com as suas viagens interpretativas que vão
desembocar sempre num cais em Chicago do século XIX ou então num aeroporto
lunar de Viena do século mil!
Despeço-me
à pressa, pois escrevi esta missiva em cima do joelho, enquanto Efraim e eu
viajávamos pelo Sena num daqueles barquinhos de turismo.
O
kitsch tem destas coisas!
Abrrraço
do Efrrraim.
Outro,
deste sempre
Seu
Gonçalo
V. de Sousa.
A melhor forma de viajar é para fora
de nós. Viagens interiores devem ser feitas em quartos fechados. Não em quartos
de grandes hotéis internacionais, onde o cheiro das línguas de todo o mundo se
mistura ao sabor da laranja acabada de espremer ou da torrada queimada de um
lado e barrada de manteiga do outro.
Viajar deve ser um estado de alma,
assim como deambular. A deambulação é a fibra dos vagabundos e dos touristes.
A mulher, assim como a ficção e o
whisky e o gin, e as coisas belas, e Wagner, e a Bossa Nova e o Jazz e as
grandes paisagens românticas e a cuíca e Paris e Rio de Janeiro e todos os
azares e todas as alegrias, são as melhores coisas da vida. A vida, nas suas
múltiplas e facetadas surpresas luminosas ou sombrias, é o melhor que podemos
fazer. E o melhor é amar, compreender e ser bom para com tudo e para com todos.
A vida perfeita é a poesia da nossa mortalidade, imortalidade que não está ao
alcance dos deuses, banais na sua eternidade.
A mulher, sim, a mulher é o perigo
que faz do homem aquilo que ele deve ser verdadeiramente: um cavalheiro
elegante e de bom gosto.
Entre o whisky e uma fortuna de
milhões, prefiro um copo de um bom puro malte. Se o whisky é o cão engarrafado,
então a ficção é o cão para dentro.
Mas que nunca calem a tua vontade de
quereres ir para lá dos cumes das montanhas, ou dos bruxuleantes céus que se
escondem em donaires desejos nocturnos. Merencório deve ser o teu espírito,
homem de hoje, deixado num canto de uma cidade abandonada à pressa pelo caos do
individualismo. Colhe as tuas flores, cheira-as, mas não as largues. Guarda-as
porque ser triste é ser só
Gastamos a vida a existir para fora, quando deve ser
para dentro que as escavações devem continuar. Que nos adianta os tesouros
imensos e infinitos de cofres europeus, fartos e cosmopolitas? De que nos
adianta a suprema beleza das coisas se não formos bondosos e tolerantes. Só
pelo amor das coisas belas seremos capazes de nos salvar. Ou amamos as coisas
belas e as preservamos, ou perderemos aquilo que ainda podemos ser.
Os erros ortográficos
sempre me engasgaram a alma. A minha pátria é o bom gosto das coisas belas e
boas e justas.
Os erros ortográficos
sempre me criaram indigestões estéticas. A minha língua deve ser a minha casa.
O tempo dos
Estados-Nação terminou. Vivemos hoje no tempo do desejo da universalidade
estética.
O Pós-Modernismo é a
forma de dizermos de forma inteligente e olhar académico que falhamos os
propósitos que os românticos nos deixaram.
Sem o Romantismo não
seríamos nada, ou então seríamos muito piores.
A política é o lodaçal.
Sem o Eça a política jamais teria piada.
O Romantismo é o cais
de embarque dos sonhos europeus e indígenas.
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