quinta-feira, 9 de abril de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações


Dear José

Dia duit!, que é como quem diz saudações!
Escrevo-lhe ainda das míticas e formidáveis terras da ilha de Eire, mátria dos ventos ancestrais e de um verde e azul escuro sempre maravilhosos.
Já bebi por si, como me havia pedido. Visitei vários locais esplendorosos, mas há um que gostaria de partilhar consigo, ainda que por umas quantas palavras.
Penhascos de Moher. Um mar céltico finitamente infinito e revoltado, o vento soltando sibiliantes líquidas e com o adocicado de uma gaita de foles imaginária. Efraim jamais tinha visitado esta formidável ilha, jovem dos trópicos literários.
(…)
Mas não foi por isso que lhe escrevi. É com uma luminosa merencória que lhe escrevo, ainda que em terras altas.
Pois bem, envio-lhe nesta missiva uns quantos poemas que trago sempre nas minhas malas e que considero inacabados. (Peço-lhe que após transcrever esta carta a queime, como todas as outras, deixando apenas o que julgar ter interesse literário. O resto, carbonize!)
É um conjunto de poemas em constante alteração e que são como que um oráculo tropical. Mesmo nestas insulares e frias terras consigo sentir as quentes e prateadas noites de luar de outros lugares. O que interessa é que lhe envio uns cinco poemas, dos quais terá que escolher um (fiz o favor de os escrever de uma golfada e são os únicos que nunca retoquei após a sua primeira demão. Escolha um deles e os outros deite-os ao fogo, ou à água, que também é imagem diluviana quanto baste! Não procure continuações ou divisões, pois não lhas dou! Escolha um e queime os outros. É o que lhe peço.)
Efraim cumprimenta-o saudosa e hebraicamente. Shalom!
Haveremos de voltar um dia destes, quando nos cansarmos deste mar e desta magnífica cerveja cor da terra e do carvão oitocentista!
Slán!

Gonçalo V. de Sousa.


Do livro Brasil Lindo e Trigueiro

“Altos Luares de Copacabana.”

Havemos de nos encontrar nos altos luares de Copacabana,
Senhora minha do Brasil brasileiro.
O teu corpo estendido na minha cama,
Enquanto a minha alma te sorve os beijos de um dia inteiro.

E havemos de percorrer as praias de areia mística
De mãos dadas.
O sol, meu amor, será testemunha,
E as ondas cumprirão todas as suas promessas de espuma.

Teremos o céu azul e infinito a nosso lado
E teremos sempre o amor dos dias grandes e fartos e luminosos
E os teus cabelos, loiros, anelados, sedosos,
São o mestre deste verso exótico e apaixonado.

Teremos o calor das tardes e a suavidade das manhãs azuis.
Seremos sempre os dois, celebrando os nossos beijos de cetim
Enquanto os teus braços dourados e o teu líquido olhar
Me fazem adormecer em sonhos que são os teus lábios carmim.

Seremos filhos desse Brasil lindo e trigueiro,
Iremos beber das águas dos canaviais verdes e distantes
Iremos saltar, inocentes e nus, pelas cachoeiras de cores murmurantes
Até me ensinares a amar o teu Brasil brasileiro.

Matar-me-ás a sede de música refrescante
Princesa minha das causas azuis e tropicais.

O samba será o teu corpo dourado balançando o vento
E os coqueiros serão filhos de um luar que será feito dos versos
Dos trovadores filhos do sul do Trópico de Câncer.

E assim nos vejo correndo pelo teu Brasil exótico e colorido,
Pintando aguarelas que são músicas antigas e iniciáticas
De um propósito de morros e florestas e luzes
Que só se encontram nos recantos da terra de nosso Senhor.
A tua Terra.
O teu Brasil brasileiro.



Rio de Janeiro, 25 de Fevereiro de 1968.


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