quinta-feira, 16 de abril de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



Dear José

Ainda turisto e vagueio pelas magnânimas atlânticas e célticas montanhas do Norte. Não me canso desta visão, deste horizonte amplo, deste azul escuro de um verde lusco-fusco.
Envio-lhe um poema desse impossível livro de poesia tropical de nome Brasil Lindo e Trigueiro. É imperativo que lhe faça alguns esclarecimentos que, aliás, já suspeito que saiba do que estou a falar, tendo em conta o fervor que tem pelo Bossa Nova. (E as palavras que me dirigiu na última missiva alertaram-me para um interessante jogo irónico!) Nos meus testamentários textos, fragmentados e incompletos (e assim irão continuar) deve ter notado que falo de uma música de meu primo Jobim de nome Chega de Saudade. Pois a verdade é que a minha influência foi mínima ou quase inexistente, tendo em conta que a letra foi escrita em 1964, pelo Tom do Vinicius e pelo poetinha. Nessa altura, só havia conhecido alguma poesia de Vinicius e pouco mais. A Bossa Nova era algo por nascer para o mundo, tendo em conta que a presença de Tom Jobim nos Estados Unidos foi fundamental para o alcance e internacionalização desse ritmo tão quente e por si tão querido. (Estranhei não me ter corrigido, mas, assim que li a sua última missiva, subentendi que o jovem frenético e românticos das Águas de Abril começa a entrar no meu jogo. Não é quem escreve que tem que fazer as grandes descobertas, mas sim os leitores. Esses sim, que estejam atentos e que construam as suas narrativas. Isso, para mim, como sabe, é indiferente, se as constroem ou não. Apesar de permitir que tudo isto seja publicado, escrevo para mim. Isso basta. O resto não interessa.
Quero que publique o que acabei de escrever, pois ainda vão pensar que misturei datas e tempos e pessoas sem noção do que fazia. Falso. Tudo pensado. Atenção, jovem das abomináveis andanças post-modernas!, o testamentário texto que lhe fiz chegar são meros esboços de algo bem mais pensado e bem mais longo. Quase uma novela. A tentação do fogo tem sido uma constante, e, aqui nestas terras de Eire, a tentação da água é ainda mais premente e avassaladora. Tenho conseguido manter o controlo, por ora. Água e Fogo são elementos muito presentes e fortes nestas insulares terras a norte dos trópicos. Assim fosse a vida, uma viagem para lá dos trópicos e das coisas.
Deixo-lhe aqui um esboço de algo que em breve lhe chegará às mãos e aos olhos e à mente: “Mas que nunca calem a tua vontade de quereres ir para lá dos cumes das montanhas, ou dos bruxuleantes céus que se escondem em donaires desejos nocturnos. Merencório deve ser o teu espírito, homem de hoje, deixado num canto de uma cidade abandonada à pressa pelo caos do individualismo. Colhe as tuas flores, cheira-as, mas não as largues. Guarda-as porque ser triste é ser só
Ainda não sei o que chamar a palavras com este intuito. Mas isso pouco importa. Noto que o José surte alguma influência em mim, visto que já começo a pensar, ainda que vaga e alcoolicamente, em títulos. Ainda mal!
Pois bem, aí vai mais um poema que reli há umas noites atrás. Enquanto o relia imediatamente me lembrei do poema de Vinicius de nome Carta ao Tom 74. Carta ou poema? Ambos ou nenhum? Bossa Nova e Poesia parecem ser tantas coisas, mas isso são conversas para o meu regresso.
Um hebraico cumprimento de Efraim.
Outro do

Seu

G. V. de Sousa.

P.S. (Não sei se consigo terminar este poema, querido José)



Hei-de escrever-te


Hei-de escrever-te um dia
Quando apertar a saudade
Para me lembrar da alegria
Que abraçava a cidade.

Mas enquanto não chegar essa hora
Irei recordar com carinho
Aquele teu beijinho
Que num instantinho
Veio sem demora.

Hei-de escrever-te, minha garota do Ipanema
Quando as horas forem cruéis e duras
Quando as tuas mãos, leves e puras,
Entrelaçaram as minhas naquela noite,
Em Copacabana, no cinema.

(Lembras-te do tempo feliz naquelas noites
Em que adormecíamos nas areias das praias?)

Mas hei-de escrever-te
Hei-de escrever-te outras palavras
palavras ao som da cuíca e do piano e do tambor
Mais belas e frescas
Que acabem com esta fria tristeza
E tragam beleza e Sol à palavra Amor.



Paris, 24 Dezembro de 2011.

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