sábado, 21 de março de 2015

Eu poético: «Dó, li, tá»

Dó, li, tá

Um dó li tá,
ia eu caminhando pela praia
sentindo o sal nos meus lábios
e a água fria do mar.
Ao fundo vejo a nau
por entre a neblina.
Julgo descortinar o rei perdido
desembarcando na areia
e reclamando para Deus novo território.
A pele estala com o sol escaldante,
a camisa de linho agarra-se ao corpo.
- Tudo isto é ode, tudo isto é sonho.

Dois dó li tá,
sou agora velho e arrasto a perna.
Ciática permanente, músculos parados
e manchas marcadas bem fundo.
As noites são uivos de dor,
por momentos sou lobo no meu próprio quarto.
A luz quente brilha na estante e
representa a única esperança de vida.
Mas a borboleta sem cor dá às asas e
recorda-me que o fim é próximo.
Porque é que a angústia não tem cura permanente?
- Tudo isto é escuro, tudo isto é sonho.

Três dó li tá,
a tua mão pousa na minha
e sinto o beijo de sabor a mel.
Abres a janela e eu cheiro a primavera lá fora.
Os raios iluminam as estantes dos livros que fomos colecionando ao longo dos anos
e o vento suave agita os lençóis com a sua frescura.
Molhamos as torradas no café com leite,
sorrimos cara-com-cara.
A seguir tropeçamos no chão e tu desfazes-te em risos.
Agarro o teu pé e faço cócegas;
tu estremeces e gritas bem alto para eu parar.
- Tudo isto é luz, tudo isto é sonho.

Depois levas a chapada dos dias,
carregas futuros incertos,
estremeces de medo ao pensar nos finais desconhecidos
e lamentas não teres alguém para partilhar a tua ideia de felicidade.

Não
mais

li
tá...
nem tudo é quimera, nem tudo é destino.

Só a morte, matéria sem solução.

Rodrigo Ferrão

Foto: Rodrigo Ferrão

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