terça-feira, 10 de março de 2015

A Viagem de Théo

Quando Théo, um miúdo francês, de ascendência grega fica doente e os médicos não lhe conseguem achar uma cura, uma tia, leva-o numa viagem com o objetivo duplo de não só lhe conceder um desejo – que poderá bem ser o seu último – e/ou encontrar respostas nas religiões para o mal que o aflige. É este mote, motivo ou adubo que serve para escrever este romance, que vai para além desse estilo pois poderemos dizer que o seu resultado final é um grande almanaque de religiões.

Na sociedade moderna, muitos pais – e bem, diga-se de passagem – preferem que sejam os filhos a decidirem o seu destino no que respeita a crenças. Não condeno este agnosticismo paterno ocidental, até porque acho que são as grandes religiões que são as culpadas pelo sucedido ou então o maior ou menor conhecimento e a maior ou menor tolerância com que estes foram criados dentro das mesma. Este livro – e é pena estar esgotado na sua versão de português não açucarado – visa através de uma linguagem simples e num embrulho simples que um adolescente fique com um retrato razoável do que é que são as religiões e do que é que as une e separa em relação às outras e até dentro de si nas suas diversas vias.

A autora/guia nesta viagem, Catherine Clément, é uma filosofa de formação que se especializou nas áreas de antropologia – sendo seguidora/admiradora de Claude Lévi-Strauss – e psicanálise – na qual se considerava pupila de Jacques Lacan e membro “profana” da escola freudiana – que foi professora – começou a carreira a ser assistente de Vladimir Jankélévitch, eminente filósofo e musicólogo francês – autora – com 22 romances publicados e 29 ensaios – jornalista de imprensa escrita – essencialmente de critica literária e intervenção política – e de radio – no qual produziu programas culturais ligados à antropologia e religiões. Seguidora do estruturalismo, é feminista e foi comunista – desiludida e posteriormente expulsa em 1981 por colaborar com um jornal ligado ao Partido Socialista. É descendente de uma família mista de católicos e judeus, com sucessivas ascendências à Rússia e ao Azerbaijão tendo alguns familiares seus perecido não só na Shoa – holocausto perpetuado pelos Nazis – mas a sucessivos pogroms anti judaicos russos. Foi também diplomata onde esteve colocada durante quatro anos na Índia – como chefe de protocolo e na qual se apaixonou pelo o então embaixador e seu actual companheiro André Lewin – cinco anos na Áustria e por fim três anos no Senegal, confessa apaixonada pela Índia é também membro do seu Fórum Franco–Indiano que visa dar uma imagem positiva deste país em França.

Todas estas influências, formações e percursos profissionais espelham o que é o livro, um excelente manual de compreensão, sem julgamentos desnecessários, com a profundidade necessária para que não fiquemos na rama em relação a todas as grandes vias de crença. Um manual essencial para adolescentes que não faria mal se os “considerados” adultos o lessem, que visa pôr alguma Ordo ad Chaos – ou ordem no caos – que são as religiões actualmente.

A procura do nosso gémeo interior é um bom motivo procurarmos o divino em nós e o percurso é razoavelmente bem escolhido sendo que o seu final é deveras interessante, pois visa retomar o tronco não só do personagem, da sua viagem mas das religiões que se vão sucedendo ao longo dos nove meses que esta dura. O simbolismo que está inerente a muitas passagens, e que, não é de fácil compreensão para quem não se interessa por antropologia e religiões, serve, não obstante esse facto, como uma boa rede no qual é construída a trama.

Para um racionalista crente, como eu sou, tributário de um panteísmo semita este romance/almanaque é um excelente ponto de partida para explicar a todos que não adianta acharmos que todos temos razão, basta respeitarmos-nos e afastarmos os extremismos e lavagens cerebrais – sejam estas religiosas e/ou ateias – para que o laicismo e o humanismo sejam de facto a única via para o estabelecimento de pontes entre todos, tenham estes as origens ou as crenças e/ou não crenças que tiverem.

Como a próxima semana é a terceira 2.ª feira de Março, e analiso/critico livros sobre história e romance histórico, escolhi analisar um romance histórico, o que escolhi foi O Último Papa de Luís Miguel Rocha.

Saudações a todos os leitores e boas leituras,

.'.Sandro Figueiredo Pires.'.

Sem comentários:

Enviar um comentário