Quando
Théo, um miúdo francês, de ascendência grega fica doente e os
médicos não lhe conseguem achar uma cura, uma tia, leva-o numa
viagem com o objetivo duplo de não só lhe conceder um desejo –
que poderá bem ser o seu último – e/ou encontrar respostas nas
religiões para o mal que o aflige. É este mote, motivo ou adubo que
serve para escrever este romance, que vai para além desse estilo
pois poderemos dizer que o seu resultado final é um grande almanaque
de religiões.
Na
sociedade moderna, muitos pais – e bem, diga-se de passagem –
preferem que sejam os filhos a decidirem o seu destino no que
respeita a crenças. Não condeno este agnosticismo paterno
ocidental, até porque acho que são as grandes
religiões que são as culpadas pelo sucedido ou então o maior ou
menor conhecimento e a maior ou menor tolerância com que estes foram
criados dentro das mesma. Este livro – e é pena estar esgotado na sua versão de
português não açucarado – visa através de uma linguagem simples
e num embrulho simples que um adolescente fique com um retrato
razoável do que é que são as religiões e do que é que as une e
separa em relação às outras e até dentro de si nas suas diversas
vias.
A autora/guia nesta viagem, Catherine Clément, é uma filosofa de formação que se especializou nas áreas de
antropologia – sendo seguidora/admiradora de Claude
Lévi-Strauss – e psicanálise – na qual se considerava pupila
de Jacques Lacan e membro “profana” da escola freudiana – que
foi professora – começou a carreira a ser assistente de Vladimir
Jankélévitch, eminente filósofo e musicólogo francês – autora
– com 22 romances publicados e 29 ensaios – jornalista de imprensa escrita – essencialmente de critica literária e
intervenção política – e de radio – no qual produziu programas
culturais ligados à antropologia e religiões. Seguidora do
estruturalismo, é feminista e foi comunista – desiludida e
posteriormente expulsa em 1981 por colaborar com um jornal ligado ao
Partido Socialista. É descendente de uma família mista de católicos
e judeus, com sucessivas ascendências à Rússia e ao Azerbaijão
tendo alguns familiares seus perecido não só na Shoa – holocausto perpetuado pelos Nazis – mas a sucessivos pogroms anti
judaicos russos. Foi também diplomata onde esteve colocada durante
quatro anos na Índia – como chefe de protocolo e na qual se
apaixonou pelo o então embaixador e seu actual companheiro André
Lewin – cinco anos na Áustria e por fim três anos no Senegal,
confessa apaixonada pela Índia é também membro do seu Fórum Franco–Indiano
que visa dar uma imagem positiva deste país em França.
Todas
estas influências, formações e percursos profissionais espelham o
que é o livro, um excelente manual de compreensão, sem julgamentos
desnecessários, com a profundidade necessária para que não
fiquemos na rama em relação a todas as grandes vias de crença. Um
manual essencial para adolescentes que não faria mal se os
“considerados” adultos o lessem, que visa pôr alguma Ordo ad
Chaos – ou ordem no caos – que são as religiões actualmente.
A
procura do nosso gémeo interior é um bom motivo procurarmos o
divino em nós e o percurso é razoavelmente bem escolhido sendo que
o seu final é deveras interessante, pois visa retomar o tronco não
só do personagem, da sua viagem mas das religiões que se vão
sucedendo ao longo dos nove meses que esta dura. O simbolismo que
está inerente a muitas passagens, e que, não é de fácil compreensão
para quem não se interessa por antropologia e religiões, serve, não
obstante esse facto, como uma boa rede no qual é construída a trama.
Para
um racionalista crente, como eu sou, tributário de um panteísmo
semita este romance/almanaque é um excelente ponto de partida para
explicar a todos que não adianta acharmos que todos temos razão,
basta respeitarmos-nos e afastarmos os extremismos e lavagens
cerebrais – sejam estas religiosas e/ou ateias – para que o
laicismo e o humanismo sejam de facto a única via para o
estabelecimento de pontes entre todos, tenham estes as origens ou as
crenças e/ou não crenças que tiverem.
Como a próxima semana é a terceira 2.ª feira de Março, e analiso/critico livros sobre história e romance histórico, escolhi analisar um romance histórico, o que escolhi foi O Último Papa de Luís Miguel Rocha.
Saudações a todos os leitores e boas leituras,
.'.Sandro Figueiredo Pires.'.
Sem comentários:
Enviar um comentário