quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O Último Cabalista de Lisboa

Analisar/criticar este livro é difícil, pois temos que resumir em nós a capacidade de explicar o inexplicável, de nos confrontarmos enquanto seres com o que de pior e o de melhor há em nós enquanto espécie, no fundo a História, sempre me disse um velho amigo meu que é historiador, tem que ser analisada não com os olhos do presente e/ou com as reservas deste, mas aos olhos do passado. Mas é difícil o fazermos e não entrarmos em julgamentos, quando lemos este romance policial com base em factos históricos reais.

As personagens deste sejam estas as boas ou as más ajudam-nos a isso, até porque o limbo entre o que é uma ação boa ou má em determinados momentos sejam estas praticadas pelos heróis ou os vilões é esbatida constantemente e em muitas partes deste livro, de maneira a que no fim ficamos com a consciência de que talvez Thomas Hobbes tenha razão na sua citação de que o homem é o lobo do homem, em guerra de todos contra todos, esta é a dúvida legitima com que ficamos quando lemos este livro.

É fácil explicar o enredo central deste romance, aliás mais fácil do que lê-lo, assim e em vinte e três linhas e três parágrafos:
Os Zarco, uma família de cristãos-novos residentes em Alfama, eram na realidade judeos marranos, deste modo praticavam às escondidas – com tudo o que isso poderia implicar nesse tempo em que uma mera reza judaica levava ao linchamento público – o seu judaísmo e tinham como patriarca Abraão Zarco, iluminador e membro respeitado da comunidade judaica local, e para além disso também um respeitado e célebre cabalista de Lisboa, que tinha um círculo de iniciados nos quais contavam membros da comunidade mais ou menos respeitados e/ou mais ou menos dúbios. De entre eles contava-se o seu sobrinho Berequias Zarco que é não só o narrador deste romance como a personagem principal.
No pogrom de Lisboa de abril de 1506, durante as celebrações da Páscoa, é morto Abraão Zarco, que é encontrado numa cave que servia de templo secreto desde que a Sinagoga fora encerrada pelos cristãos-velhos. O seu sobrinho e discípulo encontra-o morto nu conjuntamente com uma jovem desconhecida e banhados em sangue, estranhamente, a porta está fechada por dentro. Um manuscrito iluminado e recentemente terminado pelo seu tio, em que os rostos dos seus vizinhos e amigos representam personagens bíblicas, desapareceu do seu esconderijo secreto. O assassino teria sido um cristão-velho ou, como as provas recolhidas e os indícios fazem crer, outro cristão-novo e/ou judeo marrano? Estaria o rosto do assassino representado no manuscrito roubado? No fundo, todo este romance histórico policial gira em volta de um pequeno extrato, que retirei numa das ultimas páginas do livro e que resumem todo o destino, a partir daí, do povo judeu de Lisboa e quiçá europeu:
Não há acasos, não há coincidências. Será possível? Até agora, apenas ousei expor estas ideias a Farid e a resposta que os seus gestos me deram foi: «Mas não achas que o teu tio podia servir melhor o povo judeu vivo do que morto?» Boa pergunta.

Encontrar as cifras no livro torna-se difícil para quem não compreende os aspetos profundos do que é que o estudo da Cabala judaica implica, e Richard Zimler, tece o livro de uma maneira muito inteligente, deste modo para quem nada entende da Cabala é um bom romance policial e histórico e poderá ser um bom iniciador do que esta é e implica, para quem entende um pouco existem cifras e explicações claras e simples por todo o livro, para quem entende com um estudioso, e não como um cabalista que fique bem esclarecido que cabalistas só podem ser judeus crentes iniciados em círculos próprios, com mestres próprios e com regras próprias, as tangas modernas que por aí se vendem, não são mais do que isso, ou seja, tangas toda a organização do livro e as camadas sobre camadas que este tem são um exemplo muito respeitador da arte esotérica que é a Cabala como um todo.

Algures nesta critica dou-vos um exemplo de uma cifra cabalística de modo a que entendam que sou um estudioso interessado não um cabalista – desta arte esotérica de interpretação da palavra e da vontade de D´us que é e/ou tenta ser a Cabala para quem é crente na mesma, nem me dou ao trabalho sequer de a explicar quem quiser e/ou puder entenderá, quem não achará que esta critica está mais ou menos bem escrita, aliás tal como o livro. 

Finalizo esta crónica com um desafio que é não ficarem por este romance histórico e lançarem-se na aventura de ler, os outros três, que constituem a série de romances históricos sobre a família Zarco, quais os nomes destes? Queriam mesmo que vos facilitasse a vida!!! Se o fizesse não estaria a ser um bom critico!!! Não é difícil de achá-los e já agora nem sequer é preciso os lerem em sequência pois como um bom estudioso interessado na Cabala, Richard Zimler sabe que a palavra e a sua sequência pode ser interpretada em qualquer sentido, mais, que as regras de Ein Sof implicam não um D´us como aquele que a maioria que me lê acredita isto é se acredita mas que é pouco o conforto de D´us que está para além de todas as coisas.

Como a próxima semana é a quarta 2.ª feira de Janeiro, e analiso/critico livros de ciência política e sociologia, o livro que escolhi foi O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial por Samuel P. Huntington.

Saudações a todos os leitores e boas leituras,

.'.Sandro Figueiredo Pires.'.

6 comentários:

  1. Comprei esse livro ao acaso, em uma promoção, porque o título me chamou a atenção e antes de uma viagem à Lisboa. Não esperava muito dele, mas foi uma grande surpresa. É interessante também porque, em Lisboa, conheci alguns dos sítios abordados na estória. Sua critica é também interessante. Obrigado por compartilhar-la.

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  2. Li o livro por mero acaso...e sem duvida fascinante...

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  3. Alguém pode dizer quem matou Abraão Zarco?

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