Meu
querido José
Segue,
em papel pardo e já um tanto amolgado, desculpe mas escrevi este segmento em
condições extremas, pois fui até à Galiza e aproveitei o momento, fim de tarde
em Finisterra, para encetar mais uma parte deste que acredito cada vez mais ser
o meu Testamento. Viajei por terras para mim muito queridas, que sempre me
fazem pertencer a uma herança céltico-gaélica. Já leu ou conhece alguma coisa
sobre a Teoria da Continuidade Paleolítica? Fiquei rendido a essa ideia que
fervilha em mim, fazendo-me, pois, irmão de galeses e irlandeses e daqueles
formidáveis homens da ilha de Man. Se não leu, diga-me, pois tenho comigo uns
exemplares (poucas páginas, descanse, não o molesto com leituras que não pode fazer
agora, jovem positivamente vestido do avesso).
Efraim
voltou a abrir o meu correio electrónico e voltou a encontrar uma missiva
daquela que deve ser a única leitora que temos! Co’a brreca, Viana de Sousa,
deixa de serrr tão teimoso e escrrreve no computadorrrr! Mas para mim o
“computadorrrr” resume-se a isso mesmo: dor. Irei responder, disse-lhe eu, mas
com tempo. Mas, como lhe dizia, ou não acabei por dizer ao certo, viajei pela
Galiza, li essas teorias para mim desconhecidas, conheci pessoas interessantíssimas,
mas apareça hoje à noite, e falaremos de velho viajante para jovem romântico e
futurista e filho das maluquices de todos os dias. (Só me faltava isto: PIM!)
Abrrraço
do forrrmidável Efrraim
Abraço
amigo do muito
Seu
Gonçalo
V. de Sousa.
A música ditava os pares que dançavam
naquele elegante salão do Copacabana
Palace. E eu continuava a ver-te como se o início de todas as coisas fosse
aquele momento em que os teus dourados cabelos anelados e o teu vestido azul
encantavam o ar, perfumando-o de uma forma não esdrúxula, antes bruxuleante.
Must
you dance, every dance, with the same fortunate man? Dizia o senhor Sinatra, enquanto tu sorrias para ele e
eu imaginava que aquele sorriso fosse para mim, só para mim, guardião eterno do
teu olhar e dos teus lábios de cetim, senhora minha dos beijos sedosos. Tenho
agora noção que o tempo é líquido e interior, pois aquela música foi a mais
longa de toda a minha vida. Naqueles quatro minutos acredito que se passaram as
estações e todas as grandes e esquecidas constelações. A tetralogia do anel,
que já tivera ouvido mas não visto seria um segundo, dentro daquele remoinho,
daquela agitação que era estar tão perto de ti, que era estar tão longe de ti,
madona dos tesouros longínquos e belos e líquidos.
Ver-te era como dizer: água. You have danced with him since the music
began. Continuava o senhor Sinatra enquanto meu primo Jobim – ainda não
sabendo que era meu primo – dedilhava na sua guitarra segredos que eram
melodias doces, suaves e divinas. Antes de continuar, devo dizer que tu existes
e não és somente fruto dos meus sonhos e da minha fuga ao fisco da imaginação.
Nada disso. Este não será um testamento em que tudo será feito de viagens
semi-lúcidas, embaladas por bebidas de outros tempos, mais europeus e, mesmo
assim, muito menos belos e cosmopolitas. A música que ouvia ainda hoje
continua. Não interessa o facto destas paragens no fio da narrativa, pois ainda
que morra subitamente, tudo isto se irá repetir vezes sem conta (enquanto não
terminar o texto, isto se algum dia o fizer) e em todas elas irei amar-te
sempre e cada vez mais. Serei sempre o turista
com pouca coragem para ir ao teu encontro, enquanto a vida vinha de encontro a
todos os meus propósitos de viagens a teu lado, pelo Rio e pelo Mundo. Ainda
que as palavras apresentem vários braços e várias indicações com diferentes
finalidades, a encruzilhada jamais se resolverá. (Mesmo que venha a contar a
verdade mais à frente. Interessa sim, toda esta plácida e terna viagem pelo
tempo, saboreando novamente aqueles minutos que foram definitivos para a minha
vida, meu tesouro de flores por criar.)
Ainda que a Change Partners esteja em cada fibra de cada vogal, em cada poro de
todas as consoantes e palavras deste texto, há sempre um fio sereno, suave e
sibilino de Wagner que paira como uma bênção silenciosa: Träume.
O tempo passa.
Ainda que esta tarde de Fevereiro, deste dia
vinte e um de dois mil e catorze seja de um itálico a sépia, nada será capaz de
desgastar a luminosidade do teu sorriso, ainda que de papel. Nada será capaz de
corromper os teus cabelos e os teus lábios, ainda que de papel. Nada será capaz
de sufocar o meu amor, ainda que de sangue.
Vem, e acalma esta minha ladainha profana
de tardes sem nexo ou desejo algum de o ter. Vem, novamente, brevemente, para
sempre. Vem, dourada senhora dos pensamentos perfeitos. Vem, ainda que sejamos
de papel, meu amor. Vem. Fim da 4ª parte.
Sem comentários:
Enviar um comentário