quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Emílio Miranda - A crónica de Um suicídio (29 a 40)


A Crónica de Um suicídio


29


Durante noites e noites sonhou com aqueles momentos. E todas as tardes voltou em vão para que a magia voltasse a repetir-se.
Até àquela, muitos dias depois, em que a promessa de que tudo poderia acontecer de novo… e a sua ânsia o fez debruçar-se tanto sobre o caminho – o abismo que o separava da casa que lhe bebia o olhar – e se viu a precipitar-se na calçada em baixo.
Até à dor que lhe tolheu todos os movimentos…


30.
 

Despertou muito depois, sob o olhar severo da mãe e o olhar atento e condescendente da mulher que lhe tinha povoado as noites de desejo… e percebeu que ela sabia o que o levara até àquele lugar.
Onde a vergonha o impediu de voltar…


31.


Durante muito tempo teve que viver com a mensagem definitiva que a mulher que nunca mais avistou lhe dirigiu naquele dia:
– És jovem de mais para que possa amar-te como tu desejas… Cresce e aparece, fedelho!
O que nos faz amar alguém fora do tempo? Fora de todos os tempos e de todos os lugares possíveis?


32.


Há uma linha ténue entre o possível e o que nunca se realiza…
O que faz com que uma coisa nunca seja? Nunca seja mais do que um desejo que nos tortura, tantas vezes indiferente ao tempo que passa…
Como se a linha ténue entre o possível e o impossível se mantivesse… entre o «nós» que vive e o «nós» que sonha…
 
 
33.


O teu perfume ainda me viaja na pele, e as palavras com que dizias amar-me, ainda teimam em fazer-se ouvir…


34.


A dor estava ali, não o abandonava; cravada entre o peito e a fronte, enquanto uma voz aflita e assertiva agia e dava instruções…
Quis que falhasse e simultaneamente que o salvasse da vida…


35.


- Lesões graves no lóbulo direito… Paragem cardiorrespiratória… Manobras de reanimação…


36.


A primeira vez que partiu, jurou que não voltaria… Andou tão longe que acreditou que não seria possível regressar, mesmo que num acesso de arrependimento pudesse desejar contradizer-se…
Mas a vida tem o condão de mandar em tudo quanto desejamos para ela… para nós…
Não penses que decides… Resta-te apenas fazer o melhor que te é possível com o que te é destinado…
Se tiveres coragem de abdicar mais do que de concretizar os teus desejos…


37.
 

O que procuraste todos os dias da tua vida, até desistires?
Um lugar que te entendesse ou alguém que dissesse as palavras que não sabias, que nunca soubeste?


38.


Eu nunca devia ter questionado tanto a vida; devia apenas tê-la vivido…


39.


Esqueci-te dentro de mim e por isso é lá que estás… Irremediavelmente!
E como se esquece o que não se esquece?


40.


- Cessar manobras de reanimação. Hora da morte…

*Emílio Miranda
Começado em Sintra a 5 de abril de 2014,
Nunca terminado! BANG!

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