A Crónica de Um suicídio
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Durante
noites e noites sonhou com aqueles momentos. E todas as tardes voltou em vão
para que a magia voltasse a repetir-se.
Até
àquela, muitos dias depois, em que a promessa de que tudo poderia acontecer de
novo… e a sua ânsia o fez debruçar-se tanto sobre o caminho – o abismo que o
separava da casa que lhe bebia o olhar – e se viu a precipitar-se na calçada em
baixo.
Até à
dor que lhe tolheu todos os movimentos…
30.
Despertou
muito depois, sob o olhar severo da mãe e o olhar atento e condescendente da
mulher que lhe tinha povoado as noites de desejo… e percebeu que ela sabia o
que o levara até àquele lugar.
Onde
a vergonha o impediu de voltar…31.
Durante
muito tempo teve que viver com a mensagem definitiva que a mulher que nunca
mais avistou lhe dirigiu naquele dia:
– És
jovem de mais para que possa amar-te como tu desejas… Cresce e aparece, fedelho!O que nos faz amar alguém fora do tempo? Fora de todos os tempos e de todos os lugares possíveis?
32.
Há
uma linha ténue entre o possível e o que nunca se realiza…
O que
faz com que uma coisa nunca seja? Nunca seja mais do que um desejo que nos tortura,
tantas vezes indiferente ao tempo que passa… Como se a linha ténue entre o possível e o impossível se mantivesse… entre o «nós» que vive e o «nós» que sonha…
33.
O teu
perfume ainda me viaja na pele, e as palavras com que dizias amar-me, ainda teimam
em fazer-se ouvir…
34.
A dor
estava ali, não o abandonava; cravada entre o peito e a fronte, enquanto uma
voz aflita e assertiva agia e dava instruções…
Quis
que falhasse e simultaneamente que o salvasse da vida…35.
- Lesões graves no lóbulo direito…
Paragem cardiorrespiratória… Manobras de reanimação…
36.
A
primeira vez que partiu, jurou que não voltaria… Andou tão longe que acreditou
que não seria possível regressar, mesmo que num acesso de arrependimento
pudesse desejar contradizer-se…
Mas a
vida tem o condão de mandar em tudo quanto desejamos para ela… para nós… Não penses que decides… Resta-te apenas fazer o melhor que te é possível com o que te é destinado…
Se tiveres coragem de abdicar mais do que de concretizar os teus desejos…
37.
O que
procuraste todos os dias da tua vida, até desistires?
Um
lugar que te entendesse ou alguém que dissesse as palavras que não sabias, que
nunca soubeste?38.
Eu
nunca devia ter questionado tanto a vida; devia apenas tê-la vivido…
39.
Esqueci-te
dentro de mim e por isso é lá que estás… Irremediavelmente!
E
como se esquece o que não se esquece?
40.
- Cessar manobras de reanimação. Hora
da morte…
*Emílio Miranda
Começado em Sintra a 5 de abril de 2014,
Nunca terminado! BANG!
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