A Crónica de Um suicídio
13.
E a
cidade acolheu-o em plena adolescência. Com uma mala semivazia na mão e um
caderno garatujado de poemas.
Não
tinha lembrança de quando começara a escrever.
Nem o
que fizera com que a escrita se transformasse rapidamente no centro da sua
vida.
14.
Por
isso quando ela se sentou ao seu lado, na carruagem do comboio naquela noite
álgida, não conseguiu esconder a sua vaidade, nem perante a sua curiosidade
escusar-se a ler-lhe o poema que entretanto esboçara.
15.
Na noite fria
Acendeu-se a alegria
Num perfume
Que passou a correr-me nas veias.
16.
Sorriram.
E deram então conta de que a carruagem estava afinal vazia, de todos quantos se
tinham entretanto apeado.
E
mais sorriram quando se aperceberam de que estavam prestes a descer na mesma
estação.
O
que, mais do que uma coincidência, só podia significar que o universo lhes
destinava mais do que aquele simples e primeiro encontro…
17.
Deitados
sobre a erva macia, ambos fitam o céu de mãos dadas. Estão tão apaixonados que
no céu há mais do que nuvens e do que aves: há elefantes, girafas e
rinocerontes. O céu é a terra dos seus sonhos.
Estreitado
nos dedos que se entrecruzam, depois dos beijos dados e das carícias e da
invenção do mundo dos desejos saciados.
Que
se renovam.
Como
se não houvesse um fim para mais nada.
18.
Isabel
é um poema constante na sua cabeça. É sobre ela que escreve tudo quanto
respira. Tudo se transforma nela e nela tudo é belo.
Até
as coisas mais ignóbeis.
Como
a fome do mundo.
As
guerras que se travam num outro continente.
Os
vivos que morrem da incúria e do desleixo. Como se fossem coisas e não gente
que sente, que sonha e que ama.
O
amor é o melhor do mundo!
O
amor é o pão e o vinho que alguém quis que fosse corpo sagrado.
Transformado
em religião.
19.
Enquanto
o avô foi vivo, acompanhava-o com a avó à missa. A igreja da aldeia, pintada de
azuis e de dourados era um local mágico, onde as palavras ganhavam vida na sua
imaginação…
Havia
um homem na terra, de barbas e coração manso, que curava todas as feridas e
prometia a vida eterna.
Mas o
avô e a avó e a mãe tinham morrido.
Sem
nenhuma esperança de ressurreição.
Sem
que nenhum terceiro dia os tivesse ressuscitado.
20.
Quantas
mais mentiras haveria disfarçadas de verdades?
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