terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

É do borogodó: Saudade



Era uma vez um Rei sábio que sabia tudo e falava todas as línguas.
O primeiro dia da semana, segunda-feira, é dedicado à Lua, por isso no espanhol a denominação Lunes.
Toda segunda-feira, o Rei lança um desafio. Qualquer pessoa pode se inscrever e, se for selecionada, pode fazer qualquer pergunta ao Rei.  Naquela segunda-feira em que começava a história, a vez era de um tal Fernando.
– Excelentíssima Excelência, queria saber o que é a “saudade”.

E o Rei se calou. E a corte ficou boquiaberta. O Rei sabia a resposta para todo tipo de pergunta, mas não sabia a resposta para a pergunta de Fernando.
Mandou o homem voltar depois de seis dias para ter a resposta.

Fernando vinha de uma cidade onde as calçadas têm desenhos em preto e branco, que, a medida que o tempo avança, vão mudando de forma. Fernando era um homem que usava terninho preto, uma gravatinha, um bigodinho, e uns óculos pequeninos. Fernando levava consigo uma pastinha, de onde tirava seu caderninho com dúvidas e perguntas…

A terça-feira é dedicada ao planeta Marte, por isso no francês se chama Mardi.
O Rei partiu à biblioteca. Começou pelos dicionários. Espanhol, francês, inglês, alemão e nada. Quase a perder o almoço, o Rei alcançou o dicionário de português.
Saudade. Saudade é saudade.
Como? Como se pode definir uma palavra com a mesma palavra?
Não, aquilo não ia bem. Na biblioteca estava só o Rei. Quase só, pois a pergunta era fantasma a repetir ‘quem sou’.

Na quarta-feira, dia dedicado ao planeta Mercúrio (por isso que no italiano se chama Mercoledí), os assessores da Coroa diziam que não poderiam definir a tal Saudade, mas tinham uma sugestão para o Rei sentisse o que é.
O Rei fez as malas. Deveria partir por um dia inteiro. Só poderia regressar ao palácio no dia seguinte, na mesma hora da partida.
O Rei se despediu da esposa com um beijo na boca, dos filhos com um beijo na testa, do cão com um beijo no focinho, e saiu pela mesma porta por onde, na segunda-feira, tinha surgido Fernando com a tal pergunta.
Frio da noite com o pouco agasalho, espirro, tosse e febre. Sim, febre. Saudade parecia ser febre.
O Rei voltou antes do horário combinado com a resposta, mas Fernando recusou, porque saudade não poderia ser denominada como febre, embora pudesse causar o mal.

Era quinta-feira, dia de Júpiter, por isso em romeno o dia é Joi.
A pergunta de Fernando não deixava o Rei em paz.
E veio a sexta-feira, a inquietação aumentava. Por sorte, a Rainha teve a ideia de ajudar o esposo na busca pelo significado de Saudade.

Sexta-feira é dia dedicado ao planeta Vênus. Vênus também é o nome romano para Afrodite, a deusa do amor. Talvez seja a sexta-feira o dia ideal para a Rainha exercer seu domínio sobre a questão que atormentava o seu querido marido.
Enfim. O sábado traz respostas infalíveis. Sábado em holandês é Zaterdag, porque é o dia dedicado ao planeta Saturno.
Sábado, o Rei acordou só. Levantou só, caminhou só, tomou só o seu desjejum que ele sozinho preparou. Não se ouviam as crianças pelos corredores do castelo. O cão tinha desaparecido. O som doce da voz da Rainha havia sumido.
Nesse momento, Fernando espreitou pela janela e o Rei pediu que ele não dissesse nada.

Diz uma lenda que a palavra saudade surgiu no período dos descobrimentos. Era uma definição para a solidão dos portugueses que estavam no Brasil longe de seu país e de seus familiares.
A melancolia se combinava a nostalgia, o saudoso só sabia que sentia saudades, muitas saudades de tudo como era, como hoje estava e no mais, aquilo que ainda poderia ter sido.

Domingo é o dia dedicado ao Sol, talvez seja perfeito para a folga semanal justamente pelo brilho do Astro nas nossas vidas. Dia para que nos aproximemos de tudo que nos faz bem, mesmo que a gente não sabia definir o que é, nem o porquê de assim ser.

A história do Rei sábio e sua mais sábia Rainha, está no livro especial de Claudio Hochman, SAUDADE, editado no Brasil pela Companhia das Letrinhas. Hochman é autor argentino que vive em Lisboa, desde 2002, sobre as calçadas branco e preto distantes demais dos casarios coloridos de Buenos Aires…

* escolhido por Penélope Martins
 

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