quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações




Prezados leitores, a pedido de Gonçalo, transcrevo agora as palavras que este me dirigiu na semana anterior, por forma a criar um tal "Efeito de Real", diz o nosso flâneur.


Por isso, ainda que os ácidos sejam hoje algo distante, longínquo mesmo, peço-lhe encarecidamente que publique o final desta missiva como início deste prelúdio, deste texto antecâmara , melhor dizendo, deste ante-texto que terá continuação pelo menos durante duas semanas (dependendo dos cortes e acrescentos que lhe venha a fazer). O outro texto onde volto a referir Papa John, esse capitalista louco!, deixe-o para depois. Verá que, apesar de neste momento nada fazer sentido, quando tiver consigo o prelúdio e todas as outras partes terá algo mais luminoso (Assim o espero!).
(...)
Pois bem, meu querido jovem romântico por dentro, futurista das nuvens e das tempestades, o texto que se segue deve ser lido com a seguinte chave-mestra: tudo é mentira, tudo é ficção. O resto vem por acréscimo. Não comece a pensar em textos e liras amorosas assim escarrapachadas (desculpe a deselegância) em quatro tiras de papel pardo e barato! Isto não se trata de nenhuma novela nem de nenhum texto de alcova!
Tudo é ficção. Aliás, li algures, num destes modernos escritores do seu tão querido Pós-Modernismo (Post-Modernismo, para não dizer que sou teimoso) que a ficção, e não o cão, é o melhor amigo do homem. E esta, hein?
Tantas enciclopédias e artigos e reflexões numa só frase. (E eu que nunca pensei vir a ler tal coisa nesta literatura de pacotilha!).
Já li o poema que me enviou. Tem razão, os deuses não o incumbiram com a tarefa de tocar a lira de Safa! Melhor para si, pois nem todos podemos ser assim tão imbecilmente desimperfeitos! Melhor para si, que não tem que perder horas de um pedantismo de torres de marfim feitas de papel. Desista da poesia, invista na prosa!
Efraim disse o mesmo, o Vieirrrra não é poeta. Nem o padrrrrre foi! O que me ri com esta afirmação! Não pelos erres bárbaros e semitas, mas pelo alcance teológico, vestido do avesso, deste formidável judeu que venera Padre António Vieira.
Para a semana não publique o texto que conjuntamente com o seguinte lhe envio. (Sei que terá a tentação de o ler e sei de antemão que não encontrará algum sentido, tendo em conta que a ordem cronológica sou eu que a decido, não o José. Deixe-se de gavetas, homem!)
Um terrno abrrraço de Efrraim.
Outro, apertado, do
Seu

Gonçalo V. de Sousa.





Conhecemo-nos tarde demais.
O meu ser, tudo o que te poderia dizer, seria sempre pouco, para tentar explicar o tamanho, inatingível, da admiração e do espanto que sofro sempre que me deparo com o teu olhar, penetrante, doce, definitivo, como uma certeza perfumada de manhãs de Primavera. (Desconfia caro leitor. A ficção esconde verdades que não se dizem nem escrevem).
Não sei se gosto de ti ou se tudo não passa de uma admiração e de um coup de foudre romântico, ao jeito dos sociopatas que comigo partilham as noites por dormir, as insónias doces e musicais, líquidas de tanto desejo por cumprir. (É claro que não gosto de ti, a não ser que sejas de papel, como Maria Adelaide, ou então um sonho, Träume).
Quem és tu, Madonna das coisas eternas, que me hipnotizas com o teu sorriso capaz de calar qualquer tempestade, qualquer dúvida, qualquer medo? Quem és tu, menina de cabelos diáfanos e dourados, que me fazes navegar por montanhas de cumes inatingíveis, onde os sonhos são doces, belos, simples, ao alcance de um olhar terno. De um olhar que nunca me deste. Sonhos. (Cabelos diáfanos e dourados? Ninguém tem cabelos diáfanos! Margem de dúvida quanto ao dourado. Faltava só dizer que eram ligeiramente anelados!).
Conhecemo-nos tarde demais. (Quando é  que no conhecemos, agora falando seriamente?).
Sem dúvida que os teus cabelos, assim como o teu olhar, os teus lábios, o teu sorriso, o teu jeito, pensado e retido, de expor as tuas ideias, seriam um antídoto capaz de calar todas as falsas imortalidades de deuses que nunca passaram de devaneios nocturnos de uns quantos românticos que só tinham a noite, a neblina e talvez um piano como testemunhas de uma existência incompleta. (Tomar atenção com tanto devaneio. As tonturas literárias são fruto de tanto lodaçal escrito!).
Vislumbrei-te amável, nume, eterna, sempre sensualmente amável, meu tesoiro de trigo e de tardes parisienses passadas num café qualquer. (Sensualmente amável? Antinomia ou oximoro?)
Mas vi-te tarde demais, meu amor impossível. Já não sei escrever cartas de amor. (Algumas vez soube escrever cartas de amor? Realmente, impossível é, possivelmente, a palavra mais provável e credível!). Tudo o que poderia ser belo e poético e romântico foi desaparecendo como a cor de um belo quadro que se pretendia para sempre. (Vide Courbet, “A Origem do Mundo”).
Posso-te prometer o meu amor e a minha vida. Não te posso prometer as minhas palavras, nem o inefável que jamais encontrei nelas. (Não te posso prometer nada! Não se fazem promessas a quem não existe!).

Deixo-te o meu legado de silêncio e de dúvida. Torno-te herdeira de todos os meus sonhos, oh dourada senhora dos meus pensamentos perfeitos.

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