Sem qualquer referência, Gonçalo fez-me chegar este texto que me atrevo a atribuir à coletânea "Histórias de pauta e de papel".Descontentamento? Cansaço? Eis as questões!
Nos tempos de nevoeiro
e frio continental, os concertos para piano de Beethoven têm um efeito telúrico
e lenitivo na alma errante e cosmopolita do sujeito que turista pela Europa,
pelos sistemas e pelo mundo. Sem Beethoven o que seria de Wagner? O que seria
do Romantismo sem o ímpeto de um homem incompreendido, romântico en abîme?
Beethoven é, sem dúvida alguma, o pai da moderna música. Sem Beethoven, nem
florestas germânicas ou cantos nacionalistas, ainda que poéticos. Sem
Beethoven, nem o Palácio da Pena teria o mesmo encanto, com o seu nevoeiro
embalando as serras e o orvalho que sacia a sede de uma terra encantada.
Mas ia-me esquecendo de
Mahler, esse portentoso génio que nos fez chegar o legado de Beethoven sem
mácula. Génios traduzindo génios.
Mas interessa sim o
frio continental, a chuva e o nevoeiro que fecham as cosmopolitas cortinas das
capitais europeias e americanas. O som dos passos pelos passeios encharcados.
Os táxis correndo, os transeuntes de guarda-chuva na mão, pasta ou mala na
outra, a gabardina cobrindo do vento, do frio e da água que respinga das
cornijas góticas de uma capital crística. Os prédios altos e cinzentos, os
vapores fumegantes saindo dos esgotos multinacionais., as montras das lojas
abarrotadas de produtos e preços e descontos. O frio transforma o suspiro de um
casal de namorados em duas vibrantes linhas de fumo apaixonado. Nos bancos de
jardim, avista-se os espaços vazios, deixados por uma solidão que se refugia em
casas abandonadas ou em quartos de velhos esquecidos pelos filhos e pelo mundo.
O ciclo natural das coisas. Alma bendita das sensações musicais. O concerto de
Beethoven, o sexto, continua no seu ritmo benfazejo, líquido. O resto não
interessa.
Continuemos as nossas
vidas, tão fingidas, tão mesquinhas, tão desinteressantes
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