Meu
querido José
Que é, que foi feito de si,
durante estas duas semanas? Que fez? Que leu? O que viveu? Nem uma palavra, uma
notícia! Na verdade, não tem que responder a nenhuma destas questões, em nome
de nada, absolutamente nada.
Imagino-o isolado e silencioso,
lá, pelas suas terras de lameiros verdes e líquidos, vagueando pelas florestas
de pinho e murtas, ao pé do Tâmega, tendo esse rio, menino de Pascoaes, como
leito e embalo. Que bela imagem tive eu, agora, de si. Distante e jovem, sonoro
e calado, romântico e solitário, com essa sua barba rala e ainda brilhante.
Acredite que o brilho é um efeito da tenra idade, José. Imagino-o ao som da
sonata “Des Adieux” de Beethoven. Mais umas linhas e imagino-o trocando
correspondência com Goethe ou Stendhal ou os irmãos Schlegel! Mais um punhado
de linhas e imaginá-lo-ia por esse século XIX desbravando greves e comunas,
nesse Paris e nessa Londres de livro.
Pois bem, imagino que tão
cedo não venha a ter notícias suas, todavia, faço-lhe chegar este aglomerado de
palavras que pretendem ser versos, versos que pretendem ser estrofes de algo
que se quereria chamar um poema. Mas veremos, veremos!
Um poema antigo e que tem o
cheiro das bandeiras escondidos em baús ou gavetões de sótãos poeirentos,dos
quais ninguém se lembra que existem, talvez porque a vida é grande e o sótão
pequeno, ou talvez o contrário. Não sei. Sabe que não sou dogmático.
Estamos quase no dia do
Nascimento do Jesus criança, jovem romântico, sei do seu culto e das suas
dúvidas e cepticismos, normais, aceitáveis e óptimos para uma noite de gin e
prosciutto, biscoitos e malvasia digna de uma soirée de burgueses que Cesário
eternizou naquele seu belo poema “de tarde”.
Ainda hei-de falar consigo
acerca desse seu Cristianismo de Livro e Socialista. Sempre o vi como um jovem
crente, na humanidade, não em imagens. Não interessa, haveremos de falar, assim
que me responda a esta missiva, oh jovem futurista para dentro!
Pois que nasça esse seu e
meu Jesus criança. Que nasça e nos dê humanidade e esperança nesta, que parece
andar escondida pelos becos e subúrbios de edifícios pouco viajados.
Aguardo resposta sua. Tenho,
aliás, esperança, que ainda nos encontremos ou troquemos correspondência antes
do final deste ano de brincar. Com ou sem banho por dentro, despache-se a
responder!
Efraim manda abraços
fraternos e libertários.
Eu mando-lhe o de sempre,
mais de mim.
Abraço do
Seu
Gonçalo V. S.
(É mister dizermos, prezado leitor, que esta carta é de 19 de dezembro de 2014)
Igualdade
Serás a filha e a preferida de cada lar
Onde se coma o pão do trabalho feliz.
Hás-de vir de mão dada com a tua mãe,
Senhora e Rainha das coisas justas,
E acolherás no teu regaço o que
trabalha,
O que fome tem e outros a quem o pão
falhe.
Serás luminosa como um dia claro e
verdadeiro.
Nascerás no coração de todos os homens
como uma
Dália, como um lírio, uma rosa, um cravo.
Hás-de vir num dia perfumado e límpido, olímpico.
O teu fogo será a nova sarça ardente,
Oh madona das grandes causas universais!
Vem agora, doce, assertiva.
Vem sobre os prédios e os barracos de
todos os países do mundo!
Desce das varandas dos hotéis cosmopolitas,
onde senhores
De bigode e gravata e charuto e
importância te fumam
Como um ópio diáfano e imaginário, só deles.
Vem, mãe dos aflitos e dos que têm sede!
Vem agora e cala todas as mães que
choram filhos na guerra,
Cessa a sua espera de caixões a haver.
Hás-de vir num dia triunfal,
Dilecta filha da Liberdade,
O teu trono é de ouro e paz.
O teu nome, senhora minha, será
Igualdade!
Paris, 14 de Julho de 1968
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