sábado, 20 de dezembro de 2014

A Lenda de Nogard - Capítulo 3 – Línguas de Serpente

Capítulo 3 – Línguas de Serpente
O sol já brilhava forte através da janela aberta quando Nogard finalmente acordou. A casa de Nogard ficava na parte sul de Ferro Forte, onde todas as outras casas ficavam, afastadas da zona dos ferreiros, pois o barulho dos malhos era ensurdecedor e tedioso, alem de ser extremamente incomodo para as mulheres da vila. O quarto de Nogard era simples, com paredes de madeira e poucos móveis, uma cama de palhas com um cobertor rústico de couro de cabras, um baú aos pés da cama com as vestes humildes de Nogard, apesar de Serena ser costureira ela não tinha muito tempo ou fundos suficientes para costurar roupas novas para Nogard, que não se preocupava muito com isso. A casa de Nogard era forte e estável, com quatro lados iguais, uma muralha baixa de pedras soltas circundavam-na, ali outrora tinha sido o Pátio dos Arqueiros, e era gerenciada pelo Grão Arqueiro Bemiron, pai de Nogard.

Nogard levantou-se rapidamente, de um salto, lembrando-se de que já deveria estar na forja de Merlon ajudando-o com as lanças de Lord Grum, que seriam enviadas para Pescoço dos Homens na próxima manha, mas quando pôs os pés no chão sentiu seus olhos enchendo-se de lágrimas, suas costas ardiam, seus joelhos e cotovelos estavam ralados e coçavam muito, uma dor incomoda e permanente, seu tornozelo direito estava inchado dos torções que sofreu enquanto carregava os elmos, e seu braço esquerdo tinha uma mancha roxa tão grande e redonda quanto o Lago do Rei. Vestiu-se desajeitadamente, com uma camisa fina e rasgada e um groso colete de couro pesado demais para uma criança, os curtos cabelos estavam desgrenhados e encaracolados, começando a ficarem grandes demais para o gosto de Serena. Ele saiu do quarto e caminhou para as cozinhas na esperança de não ver sua mãe, que já estava dormindo quando ele chegara em casa na noite passada.
Mas suas esperanças foram um sonho bobo de criança.

Sua mãe o esperava, com seus belos cabelos negros e compridos que lhe caiam até a cintura. Serena era uma mulher de meia idade, era bela demais para sua idade e vivia triste demais para sua beleza, vestia um longo vestido cinzento que lhe cobria os ombros, o colo e as pernas, mais reservada impossível, estava na beira do forno, onde assavam alguns pães e fervia um grande bule de leite, Nogard sabia que o bule não estava cheio nem um terço de seu total, mas ele também não ligava para isto. A mesa da cozinha era uma longa tábua plana sobre quatro cavaletes, com dez cadeiras altas de cada lado, e em todos os encostos havia algum Dragão de Andor entalhado, estava completamente vazia, ali onde em outros tempos até vinte arqueiros faziam suas refeições e bebiam suas cervejas em cornos de guerra e canecas de madeira. Bemiron treinava os arqueiros para o Rei e para os Lordes e recebia muito bem por isso, naquele tempo era considerado um dos homens mais ricos das províncias de Pescoço dos Homens, porem tudo se perdeu durante as inúmeras batalhas contra a Longa Sombra do Sul.

- Bom dia Senhor Nogard, dono de seu próprio nariz, senhor de Pátio dos Arqueiros.
 Nogard corou, abaixou a cabeça e caminhou timidamente para a mesa, puxou uma das altas cadeiras de madeira e ela fez um barulho enorme que ecoou por todo o salão, sua mãe lançou-lhe um olhar de reprovação e ele mordeu o lábio. Por fim, mas com muito esforço devido aos ferimentos , sentou-se na alta cadeira.
- Bom dia mãe. – disse timidamente, em um tom de voz de quem sabe que esta errado – Desculpe por ontem.
- Cuidado, está quente, tanto o leite quanto o pão – disse sua mãe colocando seu café da manha à mesa, ignorando seu pedido de desculpas -, onde esteve ontem Nogard?
Ele pensou em mentir mas estava assustado demais para pensar em alguma mentira boa, e levar uma surra machucado como estava não seria nada agradável.
- Estava com Arwen. – o olhar de sua mãe foi o suficiente para que ele soubesse que a resposta não tinha sido suficiente – Estávamos brincando de cavaleiros na clareira do bosque.
Serena sentou-se ao ouvir a desculpa de Nogard, retirou um pequeno pedaço de pão e mordiscou sem tirar os olhos de Nogard, então suspirou tristemente.
- Nogard, você não entende, ser um cavaleiro não é uma brincadeira de bosques, é um serviço perigoso e mal pago, nenhuma das mulheres do reino quer que seus filhos se tornem cavaleiros, seu pai nunca gostou de cavaleiros e não quis ser um deles quando teve a oportunidade, e ainda tem essa maldita guerra que não acaba nunca.

- Mas mãe eu serei um bravo cavaleiro, eu prometo mãe, vou salvar o reino dos wargs e vou matar muitos Bulks.
- E suponho que matará Aquele que Restou e o Falso Rei, com um único golpe de sua lança de galhos não?

Nogard sentiu o choro vir aos olhos mas prendeu-o com todas as suas forças.
Sua mãe notou.
- Você não chora meu filho, como eu me orgulho de você – Nogard olhou-a surpreso e viu as lagrimas escorrendo pelo rosto de sua mãe -, eu te amo com todas as minhas forças e beijaria as chamas dos Dragões para não perde-lo, mas há coisas que ninguém consegue derrotar, a vida vai tira-lo de mim e não importa o que eu faça isso não vai mudar. – disse Serena, levantou-se da mesa e foi em direção aos armários da cozinha.

Nogard não entendeu muito bem o que sua mãe disse, mas não quis discutir, já estava enrascado demais até aquele ponto.
- Não terá mais aniversário amanha? – perguntou Nogard
- Não, não meu filho, mas não é devido a sua travessura de ontem – Serena limpou os olhos com a manga do vestido e respirou profundamente -, não terá aniversário porque você não estará aqui, Merlon esteve aqui hoje mais cedo, amanha você irá com ele para Pescoço dos Homens, esta na hora de você aprender como funciona esse comércio, e se os Dragões me protegerem você vai se tornar um ferreiro e não um maldito cavaleiro.

Nogard ficou maravilhado com o que sua mãe lhe disse, faria onze anos no próximo dia e imaginava uma festa para as crianças da vila naqueles salões, talvez sua mãe não tivesse os fundos suficientes para pagar as despesas do festejo e não houvesse festa alguma, porem depois de ouvir que iria para Pescoço dos Homens não pode pensar em presente melhor para aquele aniversario. Levantou-se e foi em direção à porta e então viu sua mãe pegando um pote de Línguas de Serpente em conserva, uma planta que era comumente usada pelos Curistas do reino para desinfectar os ferimentos das pessoas, e era conhecida por arder e queimar dolorosamente.
- Mãe já estou ind...
- Sente-se aqui cavaleiro, vamos cuidar dessas feridas.
Arwen você me paga garota, pensou Nogard antes de começar a choramingar e reclamar das Línguas de Serpente.
 
*Por Marco Antonio Febrini Júnior

Acompanhe os capítulos da história no facebook, em https://www.facebook.com/novedragoes/timeline

Sem comentários:

Enviar um comentário