sábado, 6 de dezembro de 2014

A Lenda de Nogard - Capítulo 1 – Lanças e Folhas

Capítulo 1 – Lanças e Folhas

Ele sabia que era noite. Mais porque os ferreiros não batiam mais seus malhos e a taverna soltava fumaça do que pelos céus em si. Os dias andavam mais curtos ultimamente. Era quase impossível distinguir algum momento entre o meio-dia e o anoitecer, e para uma criança isso era uma mera condição do tempo. Nogard era um garoto grande para sua idade, tinha cabelos curtos e negros, vestia uma capa e um colete tão surrados quanto podiam estar antes de rasgarem por completo, e carregava dois elmos, algo estranho para uma criança carregar com tanta pressa. Nogard passou pelas ruas estreitas perto da Taverna do Velho Lumber-meio-nariz. Caminhava com dificuldade pois os dois elmos que carregava eram muito maiores do que ele achava que fossem, tropeçou umas três vezes antes de colocar um deles na cabeça. O chão ainda estava meio barrento pelas chuvas, empata-ferros Merlon as chamava, isso porque os ferreiros da província de Ferro Forte odiavam a chuva. Dizia-se em Ferro Forte que enquanto chovia espíritos das águas enchiam os ares com sua presença e enfraqueciam as espadas, fazer uma boa espada durante um temporal era tão raro quanto ver um Dragão. Quando passou pela taverna já estava ralado, cansado e enlameado, Arwen você me paga, por que eu tenho que buscar isso? Se Merlon me pega estou frito.

Nogard tinha dez anos, nascera durante a Ultima Grande Guerra, mas não era um Guerreiro por Nascença, esse prestigio era conferido apenas aos guerreiros de Pontas de Lanças. Sua mãe era uma costureira de Chifre do Dragão e seu pai um Ferreiro de Ferro Forte. Durante a batalha, após a debandada dos Dragões, todas as mulheres foram enviadas para o norte, para ficarem em segurança na cidade de Elmo de Gelo, foi ali que ele nasceu, a vários dias da batalha, portanto não era agraciado pelo Nascimento da Batalha. Sua mãe veio para Ferro Forte quando ele tinha dois anos e infelizmente veio viúva. Nogard não conhecia nada alem dos campos, das muralhas de Pescoço dos Homens e do Rio de Ferro, as histórias que o decadente Merlon lhe contava eram a única informação sobre a história de todo o reino de Andor, e isso era feito às escondidas da sua mãe. Serena abominava a guerra e todas as peças que a vila produzia para o reino, a guerra tinha levado aquilo que era mais precioso para ela e ela não deixaria isso ocorrer novamente.

Nogard chegou ao limite da vila, a fumaça da Taverna ainda estava muito volumosa, o que queria dizer que não era muito tarde. Havia um bosque de onde os ferreiros retiravam lenha e ele entrou ali, em meio a tropeções e choramingos. Nogard conhecia bem aquele bosque, buscava lenha ali por muitas vezes durante o dia, era o ajudante do ferreiro mais velho e pobre de toda Ferro Forte, Merlon. Caminhou até uma clareira rodeada por longos pinheiro e então viu sua adversária. Estava sentada sobre uma pedra coberta de musgo embaixo de uma árvore tão volumosa que podia-se dormir em seu tronco, tinha os joelhos próximos ao queixo com uma cara que revelava a sua impaciência. Estava mexendo algumas folhas secas com um galho quando viu o garoto se aproximar.
- Nossa, pensei que não vinha mais, você demorou tanto que quase comecei sem você. - disse Arwen emburrada saltando da pedra e caminhando em direção a um saco que Nogard não tinha visto, até então.
Pelos dragões, ela trouxe aquilo tudo?
- Arwen, estava pensando melhor e acho que não devemos fazer isso. – disse Nogard coçando a cabeça.
- Do que esta falando Nog? Planejamos isso a dias, estou com muita energia, e além de tudo devolveremos isso ao velho Merlon antes de ele terminar sua caneca de cerveja. – disse Arwen fuçando no saco sujo.
Nogard era mais novo que Arwen dois anos e isso em nada o agradava. Ele queria parecer um homem feito e não fazer aquilo naquela noite parecia ser uma atitude bem adulta.
- Mas eu conheço ele Arwen, ele sabe tudo o que tem ali, cada elmo cada espada...
- Lanças. – disse Arwen.
- O que você quer dizer com...
- Lança! – gritou Arwen e arremessou uma lança de madeira e ferro aos pés de Nogard.

Invadir a fundição de Merlon e roubar seus itens já era problema o bastante para Nogard, mas ver os desenhos nas laminas das lanças e reconhecer que eram as encomendas do Lord Grum, senhor de Pontas de Lança, foi assustador.
- Espere Arwen, você não entende, essas lanças são...
Seus choramingos foram interrompidos pela primeira estocada de Arwen. Nogard rolou por baixo da lança e pegou a sua, não era a primeira vez que faziam treinos de lanças, apesar de que lanças de galhos com laminas de folhas não eram a mesma coisa que as grandes lanças dos Guerreiros por Nascença. E ele percebeu isso no momento em que pegou a lança.
- Ei, isso esta pesado demais, não consigo nem levanta-la. – disse tentando equilibrar a lança com a maior firmeza possível.

Arwen já estava com um sorriso que Nogard sabia ser de brincadeira.
- Não acredito que vai fugir, ainda mais lutando contra uma garota, por acaso é alguma espécie de Covarde Alado? – disse Arwen, referindo-se ao nome pelo qual os Dragões de Andor eram conhecidos.
- Em primeiro lugar os Dragões não são covardes, Merlon me disse que eles tiveram um motivo para não lutar, um motivo que os homens não entendem – disse sorrindo e colocando o enorme elmo na cabeça -, e em segundo lugar, não fujo de meninas.
Começaram a lutar. Lutar era um pouco demais para uma menina de doze anos e um garotinho com dez, os risinhos e os choramingos faziam mais barulho do que as lanças, os elmos, e os escudos de folhas. Arwen golpeou os pés de Nogard mas ele deu um pequeno salto e escapou do golpe. O garoto correu de encontro a amiga tentando abarroa-la com o escudo, afim de desequilibrar a garota. Com a lança pesada e o elmo grande demais, Arwen se desequilibrou. A manobra funcionou, mas Nogard perdeu seu escudo. Caíram rindo sobre o macio musgo da pedra. Uma chuva de folhas, que outrora foram o escudo de Nogard, caiam sobre eles. Então a lança perfurou a árvore tão rapidamente que fez ela vibrar. O golpe foi tão forte que mais folhas caíram sobre eles. Nogard não sabia o que o espantava mais. Se era o fato da lança arremessada ter balançado uma arvore tão grande ou o fato do velho Merlon estar parado ao lado do saco de equipamentos, com sua caneca de cerveja na mão e cara de poucos amigos.

*Por Marco Antonio Febrini Júnior

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