Hoje Gonçalo presenteia-nos com escritos da sua juventude. O texto de hoje, com o título liberdade, faz parte do ensaio chamado Prospectos de Julho!
"Liberdade"
Que me dizem os
impérios que caem sob o esquecimento de noites que são pó e silêncio? Um
lamento, longo e líquido, na hora final das bandeiras hasteadas com o orgulho
de séculos que, do nada, voltam ao que sempre foram: pó.
Só a liberdade, só a liberdade será capaz de realizar o homem.
Só a liberdade, só a liberdade será capaz de realizar o homem.
Escrevo com a caneta em
riste, o papel quase incrustado na minha pele, como se este acto simples,
singelo e silencioso, fosse capaz de calar todas as maldades e injustiças do
mundo.
Homens e mulheres
aprisionados. Crianças com fome e os velhos pedindo uma esmola como quem grita:
humanidade. O homem máquina e besta mata o seu semelhante, em nome de Deus e do
Diabo e do Estado e da ordem. O cheiro do napalm, o som líquido da morte,
altiva e inevitável.
Quem será capaz de se
libertar deste tempo malicioso, deste tempo que se cola às paredes da memória e
das gentes?
Só a liberdade, só a
liberdade há-de restar como bastião de tudo aquilo que é Belo, de tudo aquilo
que vale a pena! Acredito na Liberdade como Deusa, Senhora e Musa. Nossa
senhora da Liberdade que nunca deixamos de procurar! Vem e consola-nos, mater
dolorosa… Vem lavar-nos o rosto ferido pelo tempo e pelo esquecimento.
A minha caneta não
escreve, parece antes martelar no papel como se este fosse a pele de um oprimido
ou então um mármore a nascer, eterno, branco e livre.
Não serão estes os
tempos que irão definir o futuro. Serão, sim, os nossos ideais! Só a luta
contra um regime que nos prende famílias inteiras só porque se pensa livremente
e se lêem livros e debatem ideias que são vistas como venenosas, como um
atentado à ordem e ao bem públicos.
Escarro de bolso em
carteiras recheadas com tardes de lanches e bolos e pastelarias à Cesariny! Os
pequenos dos burguesinhos, rechonchudos e tão crianças como os que dormem na
rua, comem chocolates e pão e bananas e quando ficam doentes tomam caldos e
medicamentos. Os petizes que dormem na rua comem os restos de algum cristão de
meia leca que deixa os seus restos de um jantar farto.
Burguesia e Igreja:
como ambos os estados se acomodaram bem a este Estado sem jeito nenhum!
Só a liberdade poderá
levar-nos a outras colinas que não estes de cinza e pó e opressão. Escrevo isto
de noite, às escondidas do mundo, deste mundo que vê este pequeno país nação
apodrecer aos poucos. E essa Europa sorri e acena, de longe, vendo-nos, pobres,
parolos e pitorescos!
Ai liberdade,
liberdade, só tu serás a salvação do sol a nascer! Só tu serás a nossa
redentora, Turris-Eburnea daqueles que te desejam com quanta fome têm no bolso
e na alma.
A arte será essa: a da
liberdade e da revolução.
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