terça-feira, 28 de outubro de 2014

É do borogodó: o mundo num segundo

demorou. a vontade era tanta que chegasse a hora e aquele relógio, com imperativos de dizer o tempo, teimava andar lento, quase parando. demorou demais. um segundo arrastado na força de hora inteira.

e eu tamborilei com os dedos mil vezes sobre a mesa do café. e eu fechei e tornei abrir o mesmo livro, na mesma página, para tornar a ver o mesmo parágrafo que continuava lá: intacto.
o relógio de parede tinha a hora exata da demora.
demorou demais chegar.

chegou, e veio sorrindo, vestida de branco, vestido de azul. o abraço demorou. as palavras se "demoraram. o relógio nem ligou continuar lentinho, devagarinho, sem pressa.
passou um homem apressado. passou uma mulher apressada. passaram dois velhos apressados. o homem olhava o relógio que, pelo adiantado da hora, fazia apressar.
a gente se demora em conversa boa que não quer ter fim.

tem tempo que a gente não percebe que “cada vez que um segundo atravessa o mundo (sempre correndo, sempre apressado), milhões de coisas acontecem, aqui, ali, em todo lado…”…
é que o tempo é cheio de artimanhas: passa depressa, passa demorado e continua a dizer que é sempre igual, quando não é.

toda gente sabe como pode ser ruim a ESPERA. toda gente sabe que é culpa do tempo – que passa ligeiro – quando chegamos  ATRASADOS.

mas também se sabe que em um segundo, ‘alguém buzina numa cidade mexicana’, ‘uma bola voa em direção de uma janela’, ‘uma menina acelera o passo a caminho da escola’, e duas pessoas ignoram o tempo que passa a correr no mundo enquanto a conversa é boa.
tempo e lugar são duas coisas que dificilmente compreendemos ou compreenderemos. o tempo porque não se vê, nem se conta, apenas o sabemos pela noite e dia – que pode se reverter nos bate-papos entre Tokyo e São Paulo. o lugar, sujeito não menos traquinas, pela ilusão da facilidade que nos causa quando observamos de longe o que não conhecemos de perto.

conversa confusa essa. pensamento confuso custa tempo. demora.
as vezes a gente se demora com quem a gente gosta e quando se dá conta: foi tempo!
o mundo passa num segundo e, quando a gente pisca já é tempo de dizer adeus."



 * EM TEMPO, para leitores interessados em brincar com narrativas poético-ilustradas sobre tempo e espaço, corram apanhar um exemplar de "O MUNDO NUM SEGUNDO", de Isabel Minhós Martins e Bernardo Carvalho, publicado no Brasil pela Editora Peirópolis, de São Paulo.

Penélope Martins

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