sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Poema na madrugada: Mia Couto

"Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
 
a ave magoada  
que se queda  
na árvore do meu sangue

Pergunta-me  
se o vento não traz nada  
se o vento tudo arrasta  
se na quietude do lago  
repousaram a fúria 
  e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me  
se te voltei a encontrar  
de todas as vezes que me detive 
  junto das pontes enevoadas 
  e se eras tu 
  quem eu via  
na infinita dispersão do meu ser  
se eras tu que reunias pedaços do meu poema 
reconstruindo  
a folha rasgada  
na minha mão descrente

Qualquer coisa  
pergunta-me qualquer coisa 
uma tolice  
um mistério indecifrável 
simplesmente  
para que eu saiba  
que queres ainda saber  
para que mesmo sem te responder 
saibas o que te quero dizer'

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'


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