Serão
todos os motivos válidos para um texto?
Hoje,
ainda sem ter recebido algum texto ou carta de Gonçalo, conto-vos o episódio
que deu início à nossa amizade.
Em
Coimbra, numa daquelas tardes frescas e preciosas, lívidas de verde e de
perfumes que baloiçam pelo Jardim Botânico, encontrava-me sentado num dos
bancos de madeira da alameda das tílias, alameda essa que parece um recanto de
jardim inglês adormecido em terras de sol, luz, movimento e mar. Era uma tarde
de Setembro de 2010, e aquela pequena avenida de dimensões primaveris e sem fim
era o local ideal para momentos de solidão e de leitura.
À
época andava a ler A correspondência de
Fradique Mendes, narrativa que me deslumbrou desde as primeiras palavras.
Fiquei, como Eça, rendido perante o poeta de “As Lapidárias”, versos de uma
beleza total, fazendo lembrar os toques rubros e românticos de Baudelaire.
Enquanto me perdia pelas viagens do Touriste Fradique Mendes, imaginava-me seu
companheiro de viagem, percorrendo as terras da Síria onde em cada esquina, em
cada gruta surgem, a cada momento, novas religiões, ou então a penetrar nos
Himalaias pelo Nepal ou desaguando no Nilo com o panamá na cabeça e uma sede de
soda. Por momentos, eu era o fiel companheiro de viagem de Fradique, e, deste
modo, vivia deliciosos momentos de uma felicidade estética e literária,
disfarçando assim o humano, tantas vezes inconveniente. Sempre acreditei que as
personagens literárias são mais transparentes que os humanos. Mas nessa altura,
eu era um jovem na sua primeira fase romântica e revolucionária, sempre
embebido do Ideal e do Absoluto.
A
minha concentração nas viagens com Fradique era de tal ordem – perdoem-me a
linguagem simples e coloquial, mas sou um simples estudante, não tenho a
desenvoltura literária e o gosto exqui de
Eça, de Fradique ou de Gonçalo – que não me apercebi que um sujeito se havia
sentado a meu lado, naquele banco de jardim do Botânico. (Ainda hoje me
questiono: de todos os bancos de jardim do mundo, por quê o meu?)
Interessante,
esse sujeito, não é? Diz-me a pessoa que se sentou a meu lado.
Quando
olhei para este, notei que estava perante um homem dos seus sessenta e muitos
anos, usava óculos e tinha um belo cabelo branco brilhante, farto e saudável.
Nas mãos tinha um magnífico chapéu Porkpie
castanho claro com uma pequena pena de pavão. Vestia-se de forma elegante, casaco,
colete e camisa de um chic de
romance.
Deveras!
Respondi-lhe eu de forma mediterranicamente apaixonada. Sempre me julguei uma
pessoa de trato fácil e acessível, algo que se refletiu na minha conversa com
este senhor. Sabe, dizia-me ele, o meu bisavô foi companheiro de Fradique
Mendes. (Continua).
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