A pessoa:
Melancólico e impulsivo, mata acidentalmente o pai da sua
amada, sendo que aos 30 anos, ainda estudante e depois de ter perdido o pai,
escreve: I do not set my my life at a pin’s fee (importa-me tanto, como se
fosse um alfinete). Na maior parte do tempo, o humor de Hamlet alterna entre
picos de euforia e baixos de desespero, os sintomas traçam um quadro de
transtorno bipolar.
Médico sem querer:
Para além disso, inspirou Sigmund Freud que o leu na
infância e citou várias peças nas suas obras sobre psicanálise. “Os poetas e os
filósofos descobriram o inconsciente antes de mim”, considerava o pai da
psicanálise.
O comportamento de alguns personagens corresponde, de forma
notável, à descrição das perturbações neurológicas segundo os conhecimento
médicos actuais e as observações do dramaturgo continuam, séculos mais tarde, a
alimentar trabalhos científicos.
Apesar de se poder facilmente cair no erro de confundir
observação clínica e liberdade poética, a riqueza das descrições de Shakespeare
sugere, no entanto, que o dramaturgo se inspirou na sua experiência e em
encontros que terá tido, para descrever alguns sintomas.
A ciência nas
entrelinhas:
A sua obra está cheia de alusões astronómicas,
tradicionalmente consideradas meros processos narrativos. Mas as reflexões
sobre astronomia em Shakespeare revelaram-se recentemente a uma nova luz. Um
astrónomo contemporâneo chega a afirmar que Hamlet seria uma alegoria à
revolução científica que varria a Europa na época.
Hamlet é uma fonte fecunda de reflexão. Num mundo em
transformação pela substituição do geocentrismo pelo heliocentrismo (Copérnico,
em 1543), reforçada vinte anos mais tarde por Thomas Digges, bem como a
invenção do telescópio por Galileu aliada à descoberta de uma nova estrela na
constelação cassiopeia, que posteriormente se passou a desginar por estrela de Tycho,
representaram um golpe significativo na antiga cosmologia.
Mas que provas existem que a obra de Shakespeare faça eco
destas novas teorias?
Atente-se na notável passagem do Acto II, em que o príncipe
se vê como “a king of infinite space” (rei no espaço infinito). Será que se
refere ao universo infinito de Digges? E há também aquela estrela “westward
from the pole” (a poente do polo) que anuncia o fantasma do rei Hamlet no Acto
I.
Dado que os nomes próprios da maioria dos personagens da
peça são colhidos nos clássicos, o facto de Shakespeare ter decidido dar nomes
dinamarqueses – Rosencrantz e Guildenstern – aos cortesãos enviados para espiar
o príncipe parece mais que mera coincidência. Note-se que foi Tycho Brahe (que
deu origem ao nome da estrela) quem escreveu observações detalhadas sobre a
nova estrela, na ilha dinamarquesa de Hven, a um pulinho de distância do
castelo de Helsingor, que inspirou o Elsinore de Hamlet. Além disso, Tycho
tinha dois familiares com apelido Rosencrans e Guildenstern.
Peter Usher, um astrónomo recentemente aposentado da
Universidade Estadual da Pensilvânia, baseia-se neste tipo de indícios para
defender que toda a peça é um alegoria às diferentes concepções do universo que
se confrontavam naquela época. Refere que Cláudio, o vilão da peça, tem o nome
de Ptolomeu, o arauto grego do modelo geocêntrico.
Estas ideias começam a despertar o interesse da comunidade
académica. Mas seria um erro subestimar o papel da ciência na produção
literária de Shakespeare. Tal como os cientistas, o dramaturgo possuía uma curiosidade
insaciável, que não se limitava aos seres humanos, antes se estendia à
natureza. Mas foi como artista que se inspirou nessas teses e ideias, com elas
criando das obras dramáticas mais influentes do mundo.
Excertos do artigo publicado na Revista Courrier Internacional do mês de Julho.
Autor: Dan Falk. Publicação: Revista New Scientist. Tradução de Ana Cardoso Pires.
Angus Greig
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