domingo, 10 de agosto de 2014

Shakespeare: a bipolaridade na pessoa, médico sem querer e a ciência nas entrelinhas

A pessoa:
Melancólico e impulsivo, mata acidentalmente o pai da sua amada, sendo que aos 30 anos, ainda estudante e depois de ter perdido o pai, escreve: I do not set my my life at a pin’s fee (importa-me tanto, como se fosse um alfinete). Na maior parte do tempo, o humor de Hamlet alterna entre picos de euforia e baixos de desespero, os sintomas traçam um quadro de transtorno bipolar.

Médico sem querer:
Para além disso, inspirou Sigmund Freud que o leu na infância e citou várias peças nas suas obras sobre psicanálise. “Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim”, considerava o pai da psicanálise.
O comportamento de alguns personagens corresponde, de forma notável, à descrição das perturbações neurológicas segundo os conhecimento médicos actuais e as observações do dramaturgo continuam, séculos mais tarde, a alimentar trabalhos científicos.
Apesar de se poder facilmente cair no erro de confundir observação clínica e liberdade poética, a riqueza das descrições de Shakespeare sugere, no entanto, que o dramaturgo se inspirou na sua experiência e em encontros que terá tido, para descrever alguns sintomas.

A ciência nas entrelinhas:

A sua obra está cheia de alusões astronómicas, tradicionalmente consideradas meros processos narrativos. Mas as reflexões sobre astronomia em Shakespeare revelaram-se recentemente a uma nova luz. Um astrónomo contemporâneo chega a afirmar que Hamlet seria uma alegoria à revolução científica que varria a Europa na época.

Hamlet é uma fonte fecunda de reflexão. Num mundo em transformação pela substituição do geocentrismo pelo heliocentrismo (Copérnico, em 1543), reforçada vinte anos mais tarde por Thomas Digges, bem como a invenção do telescópio por Galileu aliada à descoberta de uma nova estrela na constelação cassiopeia, que posteriormente se passou a desginar por estrela de Tycho, representaram um golpe significativo na antiga cosmologia.

Mas que provas existem que a obra de Shakespeare faça eco destas novas teorias?

Atente-se na notável passagem do Acto II, em que o príncipe se vê como “a king of infinite space” (rei no espaço infinito). Será que se refere ao universo infinito de Digges? E há também aquela estrela “westward from the pole” (a poente do polo) que anuncia o fantasma do rei Hamlet no Acto I.

Dado que os nomes próprios da maioria dos personagens da peça são colhidos nos clássicos, o facto de Shakespeare ter decidido dar nomes dinamarqueses – Rosencrantz e Guildenstern – aos cortesãos enviados para espiar o príncipe parece mais que mera coincidência. Note-se que foi Tycho Brahe (que deu origem ao nome da estrela) quem escreveu observações detalhadas sobre a nova estrela, na ilha dinamarquesa de Hven, a um pulinho de distância do castelo de Helsingor, que inspirou o Elsinore de Hamlet. Além disso, Tycho tinha dois familiares com apelido Rosencrans e Guildenstern.

Peter Usher, um astrónomo recentemente aposentado da Universidade Estadual da Pensilvânia, baseia-se neste tipo de indícios para defender que toda a peça é um alegoria às diferentes concepções do universo que se confrontavam naquela época. Refere que Cláudio, o vilão da peça, tem o nome de Ptolomeu, o arauto grego do modelo geocêntrico.
Estas ideias começam a despertar o interesse da comunidade académica. Mas seria um erro subestimar o papel da ciência na produção literária de Shakespeare. Tal como os cientistas, o dramaturgo possuía uma curiosidade insaciável, que não se limitava aos seres humanos, antes se estendia à natureza. Mas foi como artista que se inspirou nessas teses e ideias, com elas criando das obras dramáticas mais influentes do mundo.

Excertos do artigo publicado na Revista Courrier Internacional do mês de Julho.
Autor: Dan Falk. Publicação: Revista New Scientist. Tradução de Ana Cardoso Pires.

Angus Greig

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