domingo, 8 de junho de 2014

O Papalagui

"Através dos seus olhos descobrimos a nossa própria imagem, 
e isso com uma simplicidade que já perdemos.” 


Apontamento sobre o livro: 

O Papalagui (que significa o  europeu) reúne uma colecção de discursos de um chefe aborígene samoano de Tiavéa (na ilha de Upolu, Oceano Pacífico) e a sua visão sobre o europeu no período anterior à Primeira Guerra Mundial, quando decidiu fazer uma viagem à Europa, enquanto missionário. Foi escrito por Erich Scheurmann, que teve contacto com a tribo e foi reunindo as considerações do chefe da tribo sobre as mais variadas questões, retratadas em cada um dos dez capítulos que constituem o livro, publicado em 1920. O mais surpreendente e valioso é que tudo quanto foi escrito nesta altura, permanece actual, desde considerações sobre o vestuário, as habitações, o tempo, o dinheiro, a religião, o teatro ou a racionalidade.



Capítulo 10: A grave doença de estar sempre a pensar

Mas o Papalagui pensa tanto, que o acto de pensar se tornou um hábito, uma necessidade, e até mesmo uma coacção. Vê-se obrigado a pensar continuamente. Só muito a custo consegue não fazê-lo e deixar viver todas as partes do seu corpo ao mesmo tempo. Na maior parte do tempo vive apenas com a cabeça, enquanto os sentidos dormem um profundo sono. Muito embora isso o não impeça de andar normalmente, de falar, de comer e de rir, permanece fechado  na prisão dos seus pensamentos - os quais são os frutos da reflexão.
Deixa-se por assim dizer embriagar pelos seus próprios pensamentos. Quando brilha um belo sol, logo ele pensa: "Que belo sol que está agora!" E continua a pensar, sempre a pensar: "Mas que belo sol!" Ora isso é falso, absolutamente falso, é uma aberração, pois quando o sol brilha, vale mais não pensar em nada. Qualquer Samoano sensato irá estender e aquecer o seu corpo ao sol, sem mais. E goza do sol não só com a cabeça, mas também com as mãos, com os pés, com as coxas, com o ventre, em resumo, com o corpo todo. Deixa a sua pele e os seus membros pensarem por si próprios, e eles pensam à sua maneira, por certo diferente da cabeça. 
O Papalagui é, regra geral, um ser dominado por uma perpétua luta entre os seus sentidos e o seu espírito, um ser humano dividido em dois.

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