Acabo de receber, caros amigos, pelo correio, azul, com urgência!, uma carta de Gonçalo que transcrevo, pois a carta não é mais nem menos do que mais umas impressões dos seus Cadernos de Nicosia.
Ora, este texto, intitulado "Impressões sobre Tannhäuser" serve como uma tentativa de explicação do conto Lágrimas de Abril na sua totalidade!
Transcrevo o que Gonçalo que disse na sua carta: "Meu Querido José, peço-lhe que, antes de publicar a última parte do conto que na seguinte lhe envio, faça publicar estas impressões, ainda que com pouco nexo, sobre o amor e personagem que ama Maria Adelaide. No fundo, Maria Adelaide é uma e todas as mulheres, ou talvez não. Nunca fui dogmático, além do mais, a Literatura nunca precisou de mim. Por isso, peço-lhe, pelo cão, diria Sócrates, que me faça publicar estas linhas quase sem nexo, e já com alguns anos, sobre aquilo que já pensei sobre Wagner e o Amor. O que penso, hoje, daria outra carta, outra conversa.
Espero que encontre pela internet a abertura de Tannhäuser, para que se leia o conto completo ao som desse tão saboroso mundo encantado.
Muito seu.
Gonçalo V. de S.
“A
caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é
orgulhosa.” (I Cor. 13,4).
O
amor é capaz de superar todas as ameaças, todas as adversidades, todos os
males, todas as injustiças, todas as guerras, fomes, pestes, silêncios. O amor
é capaz de superar a própria vida e a morte.
Que
impressões, então, de angústia, são estas que sinto ao escutar a abertura de Tannhäuser no meu
quarto de hotel, com as janelas abertas para as ruas largas? Ao fundo, a
Universidade do Chipre e a promessa, talvez, de uma tarde perfeita. Falta-me a
personagem feminina. Onde estás, Maria Adelaide?
No
meu quarto uma pequena estátua de Vénus e talvez seja por isso que escuto esta
abertura de Wagner. Não sei. Só sei que é um aperto enorme no coração, um aperto
angustiadamente bom e saudável. Uma dor carinhosa, como um quase síndrome de
Stendhal.
Wagner, de tão cerebral que é, foi
mais romântico que todos os heróis de Hugo ou Camilo. Tannhäuser é o Gilgamesh
da nossa cultura, e até Deus se curvou perante ele, ao fazer florir o seu
cajado!
Aqui,
nesta ilha onde se cruza o Egipto e todo o Norte de África, toda a Europa
Mediterrânica, toda a costa da Palestina e das terras divinas para as religiões
do Livro, que são porta para o Tigre e o Eufrates, porta para os pais da
escrita e da narrativa, aqui, em Nicosia, no Chipre, vislumbro Vénus e Tannhäuser
e Elisabeth, o papa e as paisagens italianas pintadas num céu azul e laranja,
enquanto o vento fustiga as oliveiras e o cheiro a pão quente com azeitonas e
vinho paira pelas colinas quase verdejantes do meu viajar interior. Sempre a
mesma questão: quem é Wagner para me enfeitiçar com esta angustiada e prazerosa
dor que quase dá vontade de chorar sem saber, verdadeiramente, por quê? Por
quê? Por quê, Richard Wagner? Quem és tu? Bardo? Pastor? Poeta? Louco?
“A
caridade jamais acabará.” (I Cor. 13,8) Pasmo perante São Paulo e as suas
reflexões, que são Cristo, sobre a caridade, o perdão e o amor. Quem é Vénus
senão todas as mulheres e todo o desejo puro e carnal? Sim, porque o desejo
carnal também é puro, pois, feitos à imagem e semelhança de Deus, Este também é
carne, mas carne que não se corrompe em si. Deus corrompe-se em cada um de nós.
Quanto mais amamos, mais nos corrompemos! Quanto maior é a nossa corrupção,
maior será o divino e a alteza e magnanimidade de Deus! É o nosso amor que faz
de Deus o que Ele é: ser supremo criador de criaturas que sem amar não são
nada! Tannhäuser, Tannhäuser, Tannhäuser! Como é que não podias tu, amante incondicional,
ter o perdão divino? O teu cajado floriu, assim como o de José mil anos antes.
Somos todos Vénus e Tannhäusers,
pois somos feitos de pureza, corrupção e amor. “Quando chegar o que é perfeito,
o imperfeito desaparecerá” (I Cor. 13,10). Até lá, pequemos e sejamos impuros:
amando-nos.
O
amor é o veneno e o antídoto. Maria Adelaide, que é feito de ti? Maria
Adelaide? Maria Adelaide?
Volto
para o quarto e fecho a janela. O calor é abrasador e o meu refresco terminou.
Pensei em voltar a sair à rua. O panamá olha-me, pensativo, à espera de uma
resposta nos jardins de Nicosia. Água com gás e menta! E soda! Soda e limão, em
doses barrocas!, grito eu para o velho Efraim.
Sento-me
no chaise-longue. Abro um livro à sorte.
“Tudo
o que sei… só sei porque amo.”
https://www.youtube.com/watch?v=SRmCEGHt-Qk (A pedido de Gonçalo, para ouvir enquanto se lê estas impressões e o conto Lágrimas de Abril, quando este estiver completo)
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