quinta-feira, 12 de junho de 2014

Gonçalo Viana de Sousa - O Flâneur das Sensações



E se o rock progressivo fosse a explicação da loucura humana?
Hoje, Gonçalo deixa-nos mais um conto do seu Livro Homens e Demónios, fazendo parte, assim, da 2ª parte desse livro intitulada "A Música e a Loucura", parte que reflecte inteiramente sobre a banda de rock progressivo Pink Floyd. O título deste conto é: "The heart of the sun", aliás, uma música, psicadélica, das primeiras, dessa majestosa banda!
Que vos agrade, pois este Gonçalo que agora vamos ver é o da primeira fase, ou seja, dos seus primeiros escritos.
Que vos agrade o que a mim me pasmou!


"The Heart of the Sun"

            A realidade imita o ácido.
            A religião faz sentido depois do ácido. Louvado Seja Deus. As veias dilatadas, perdidas no vazio de uma bateria que imita um tambor romano. Volto a Pompeia. A muralha de Jerusalém caíra, outra vez, Vespasiano era imperador de Roma. Antes de Pompeia.
            Volto a ouvir a bateria e a guitarra entrando pelos meus olhos. Sou sensações. Muitas ao mesmo tempo. Álvaro de Campos teria inveja do mundo que nunca viu. Álvaro de Campos? Quem foi esse? Nada. Louvado Seja Deus. Mais uma dose, por favor, Pompeia começa a afastar-se e quero sentir a adrenalina, o fogo, o pânico, a fúria dos deuses, filhos do Olimpo, crianças da religiosidade.
            As veias e os olhos dilatam um pouco mais. A guitarra, a bateria, o teclado, o baixo, a voz, sou eu. Eu! Eu! Todo eu. EU GRANDE, EM PLENITUDE! E sou tudo e todos e vejo o Vesúvio cuspindo fogo e fumo e morte e gritos e medo e sorrio e danço e danço e viro-me e reviro-me e salto e grito de prazer. Longínquas Sensações Distorcidas. Que maravilha! Que espanto! Que grandeza! Os patrícios fugindo, deixando tudo para trás, riquezas, escravos, filhos, respectivamente. O coração do Sol explodiu. Os olhos dilatam-se. Todo eu som e olhar. Sinestesias em estado puro. Mais que uma grande mentira. Realidade.
            A música é estonteante, quase psicadélica. Deus toca-me com o seu dedo e volto a ser Adão e Eva. Deus toca-me com o seu dedo e pede-me ácidos. Algures na minha cabeça a Capela Sistina agita-se. Não há lua. Não existem lados negros. Só o coração do Sol palpita na minha mão. Deus levou-me ao topo do Vesúvio e revelou-me os mistérios últimos do mundo e da vida.
Fácil. Simples. Definitivo. E andamos nós à procura de explicações para tudo, de motivos lógicos e racionais para o universo, para a vida e para a morte. A explicação grita esquizofrénica: loucura! Mas tudo começa a ficar distorcido, o Vesúvio começa a afastar-se de mim, o fumo esvanece-se.
            Volto a estar num quarto fechado, a meu lado três amigos de longa data, fumando ópio, bebendo absinto, olhando a merda do infinito.
            Encosto a cabeça a um divã e tento lembrar-me dos pormenores, mas tudo é névoa pesada demais. Tenho fome. Tudo não passou de um eco. Um eco de um anfiteatro carregado de tardes de sol e leões e gladiadores e batalhas navais fingidas. Se tivesse gravata, neste momento seria um perito em Antiguidade Clássica, essa merda douta de séculos e pedras e esgotos.

            Mas o efeito do LSD que não tomei já passou. Fiquei sem ideias para continuar. Já chega.

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