"As palavras são a nossa condenação", disse Eugénio de Andrade.
Seremos nós, porventura, dignos delas?
Eis, no vosso regaço, mais um conto deste flâneur que é Gonçalo Viana de Sousa!
Aquele
homem, como todos os outros, aguarda a chegada do comboio à estação.
Um livro nas mãos entrelaçadas, uma mochila e um
olhar que espera.
Senti
algo por aquele homem, ignoro porquê. Talvez a sua espera.
O
sol alto azulava. O comboio tardava a chegar. Outras pessoas na estação. Em
todas a angústia e a impaciência da espera. No homem do livro, apenas um olhar
compassado por passos largos e altos de quem, talvez, esperasse a vida inteira.
Escravos cardíacos das estrelas? E do tempo! E do medo… Deixem-me respirar,
dêem-me espaço. Ar! Quero ar!
Uma
mulher leva no braço o que foi o seu homem, noutros tempos, noutras esperas. O
homem caracoleia e a mulher, por algum sentimento de amor, vergonha, obrigação,
ou Amor, caminha a seu lado. Sim, aceito. Na saúde e na doença. O homem do
livro observa as pessoas que passam, os seus movimentos, talvez os seus
receios. Como se quisesse saber, através dos passos e do olhar das pessoas, o
que as incomoda. Mas Blimunda está morta. Talvez queira saber os seus medos…
Esta mania dos medos e dos receios!
Dois
orientais, pequenos e sorridentes, aguardam o comboio com segurança e
satisfação. Não parecem ser objecto de atenção do homem do livro. São demasiado
felizes. É mau.
Agora
observa-me atentamente, com um lápis na mão, rascunhando no bloco de notas. Nem
imagina que a sua misteriosa vida se condensa entre as apertadas e asfixiadas
palavras da língua. Mas tudo é ficção.
O comboio
parece atrasar-se. A impaciência e os nervos a sorrir dentro das pessoas. Olham
para o relógio, à espera que ele diga mais do que: tempo. Só nos apercebemos
dele quando está a mais, um convidado que está em nossa casa há demasiado tempo
e já deixou de ser convidado, passou a um intruso. O tempo incomoda.
O
homem do livro e dos óculos de sol parece moreno, a pele queimada pelo sol
mediterrânico numa tez nórdica, não sei, receio estar a inventar personagens.
Entretanto,
o homem do livro nas mãos parece olhar-me novamente, por um momento. Observa-me
com um lápis na mão. Eu ou ele? Mas se ele tem um livro nas mãos como é que
pode observar-me com um lápis na mão, e escrever num bloco de notas? Princípio
de coerência literária! A falta que fazeis em mentiras tão pequenas!
Mas
ele observa-me sem medo e parece querer sorrir para mim. Só para mim. Às vezes
ficamos sem palavras perante sorrisos. Não por que estes confortem, temos medo
de nos entregarmos a um sorriso. Temos medo que um sorriso seja o início de
outra coisa. (Amor) E eu não quero
outra coisa.
A
meu lado, uma estranha, nada mais há a dizer. Está tão perto de mim mas tão
mais longe do que o homem do livro que espera, na estação, a chegada de um
comboio que não parece seguir o tempo.
O
homem do livro volta a olhar para mim e volta a sorrir.
O
sol era o momento ao qual eu não tinha a certeza de resistir.
Esboço
um sorriso coxo, fecho o bloco de notas. Ao homem do livro, digo-lhe não.
Desaparece para sempre.
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