terça-feira, 25 de março de 2014

É do borogodó: sem papel

temos um papel no mundo e o mundo tem papel na nossa vida também. nascemos e ganhamos um primeiro papel de nascimento. algo que diz ser mesmo verdade que somos nascidos e que temos um nome com apelido de família, assim como uma mãe com nome de mãe e seus pais, nossos avós. com sorte, o papel leva o nome do pai e dos pais do nosso pai. digo com sorte porque muita gente nasce e fica com o papel incompleto, faltando coisa para preencher. outros nascem e não ganham o papel algum, nem mãe, nem nome. mais pra frente na vida de quem tem papel de nascimento, vem outro papel com fotografia e número de registro de identificação que vale mais do que o nome ou tanto quanto. é difícil compreender tanta coisa em papel para dar valor a uma pessoa de carne e osso. logo depois mais papel para permitir colocar dinheiro que a gente mesmo trabalha duro para ganhar em um lugar chamado banco, onde todas as coisas são pagas e a gente nem sabe o que está pagando – além de ter um monte de papel para colocar nossos montes de números de registros, nome e assinatura.

mas penso mesmo nas crianças sem papel algum. elas cresceram e não podem ir para longe porque não possuem um mísero papel. elas não tem papel para ir a escola, não tem papel de trabalho e nem papel para colocar dinheiro em banco. falta para elas um papel com endereço de uma casa para morar, também um papel com nome do médico que cuida delas quando adoecem.

a gente não come papel, mas fica difícil comer para quem não tem papel.

pior de tudo é ver o horror nos olhos de muita gente quando cruza na rua com gente sem papel.
parece difícil compreender a situação quando se tem papel, registro numerado, casa própria, geladeira cheia, escola, cobertor, tênis para botar nos pés, mãe e pai e família. parece difícil entender como causar temor a outro alguém.

mas tente olhar para o mundo e ver essas pessoas sem papel. elas são capazes de nos lembrar que somos mais do que nossos papeis. elas são capazes de nos lembrar que o nosso papel no mundo é ser humano – com ou sem papel.

Penélope Martins

 

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