terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Snobidando: Milan Kundera e Pablito

É um amor desinteressado: Tereza não quer nada de Karenine. Nem sequer exige que ele a ame. Nunca se atormentou com as perguntas que torturam os homens e as mulheres: Gostará ele de mim? Já terá amado alguém mais do que me ama a mim? Amar-me-á mais do que eu o amo? Todas essas interrogações que questionam o amor, que o medem, o perscrutam, o inspeccionam, não se arriscarão a matá-lo na casca? Se somos incapazes de amar, talvez seja por desejarmos ser amados, ou seja, por querermos alguma coisa do outro (o seu amor), em vez de chegarmos junto dele sem reinvindicações e não querermos senão a sua simples presença.

E ainda há mais uma coisa: Tereza aceitou Karenine tal e qual como ele é, não tentou modificá-lo, deu a sua anuência prévia ao seu universo de cão, não quer confiscar-lho, não tem ciúmes das suas tendências secretas. Se o educou, não foi com a intenção de modificá-lo (como um homem quer sempre modificar a sua mulher e uma mulher o seu homem), mas simplesmente para lhe ensinar a língua elementar que havia de permitir-lhes compreenderem-se e viverem os dois juntos.

E também: o seu amor pelo cão é um amor voluntário, ninguém a obrigou a isso. (Tereza pensa uma vez mais na mãe, e tem muita pena dela: se a mãe fosse uma daquelas desconhecidas da aldeia, talvez a sua jovial grosseria lhe parecesse simpática! Ah! se ao menos a mãe fosse uma estranha! (...))

Mas sobretudo, nenhum ser humano pode presentear outro com um idílio. Só o animal pode fazê-lo porque não foi expulso do Paraíso. O amor entre o homem e o cão é idílico. É um amor sem conflitos, sem cenas dilacerantes, sem evolução.


A Insustentável Leveza do Ser
Milan Kundera



Na foto: Pablito

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