Nunca pratiquei o hábito de
rascunhar palavras com o intuito de registar o meu dia. Por ceticismo ou
passividade, deixei sempre essa ideia de elaborar um “diário” recolhida de
lado. Não surgiu em mim uma repentina necessidade pessoal de o fazer, mas sim o
sentimento de que um acontecimento específico teve o volume suficiente,
relevante, para a minha pessoa o executar. Vi, ouvi e cumprimentei pela
primeira vez o Gonçalo M. Tavares.
Tudo se passou na Almedina do
Estádio da Cidade de Coimbra a pretexto da apresentação do seu novo livro;
“Atlas do Corpo e da Imaginação” e contou com a presença do Professor Dr. José
Carlos Seabra Pereira e do editor Zeferino Coelho.
O autor chegou num caminhar
simples e já a Almedina estava lotada, com pessoas sentadas e muitas outras de
pé. Ouviu-se um colega do professor José Carlos Seabra murmurando «é que ele
escreve como quem reza» e ‘ele’ lá chegou e se sentou. O Zeferino foi o
primeiro a falar (…) em nome da Caminho elogiou o trabalho de Gonçalo M.
Tavares e sublinhou o esforço da editora em conseguir acompanhar os maiores
trabalhos literários que se vão fazendo em Portugal. Posto isto, o professor
discursou durante um bom tempo, sobre o Atlas, fazendo referências também a Uma
Viagem à Índia, Aprender a Rezar na Era da Técnica e outros. Salientou a
bagagem cognitiva do autor, como alguém que não cessa a procura do
conhecimento. Referiu Lispector, Aristóteles, Llansol, Foucault, Deleuze e num
tom de inveja brincalhona –saudável- citou mesmo uma passagem da obra
apresentada que falando da temática do saudosismo, Gonçalo classifica a saudade
como a «nostalgia das possibilidades».
O autor toma a palavra e num
nervosismo desproporcional ao seu talento, começa por se declarar comovido com
a quantidade de audiência que vê diante de si. Refere a importância da equipa
dos Espacialistas que o acompanharam na elaboração do livro e salientou a
importância das centenas de imagens que vão aparecendo ao longo das páginas e
deixa bem claro que cada uma está no sítio preciso e correto onde ele pretende
que estejam; e que esse perfecionismo só foi possível pelo esforço suplementar
de elementos da editora Caminho, que apesar de executarem um trabalho na
sombra, Gonçalo agradeceu e referenciou nomes, numa sinceridade tremenda.
«Não te leves demasiado a sério,
mas leva a sério o Mundo» diz o autor que é uma premissa que o tem vindo a
acompanhar com bastante clareza nestes últimos anos. «Podemos nos debruçar a
pensar seriamente sobre um assunto, mas se alguém estiver ao nosso lado a
morrer, vamos fazer um esforço para pensar o quê? O que há a pensar?» reforçou
a soberania da doença e consequentemente de todos os fatores mundanos que
escapam ao nosso controlo. A certa altura mudou de assunto para focar uma ideia
que já tem vindo a referenciar noutras ocasiões: a importância de contemplar e
da imaginação. Deu exemplos concretos que seriam desvirtuados pelo tempo que já
passou e pelo meu défice de engenho na transcrição … mas a defesa acérrima do
poder da criação de imagens e como esse ato perdura mesmo depois de nós morrermos
(um edifício a ser construído, que teve na sua génese a imagem, o desenho –
primeiro mental – de um arquiteto já falecido) foi constante. Foi claro na
defesa das atividades que não têm ação imediata depois de executadas, como ler.
Como devem ser praticadas e não esquecidas. Reforçadas e não banalizadas.
Quando cessaram as declarações,
fez questão de cumprimentar todos os presentes e assinar as obras que cada um
levava. Todos os pensamentos prévios, e opiniões formuladas em quatro paredes
que carregava comigo, foram engolidas pelo nervosismo na hora de o cumprimentar
e trocar umas palavras. No final com duas palmadas nas costas dizia-me ele «não
te preocupes, no final espera-nos a todos o mesmo.»
Em suma, tudo isto foi o suficiente. Mais até.
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