segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O dia em que conheci o Gonçalo



Nunca pratiquei o hábito de rascunhar palavras com o intuito de registar o meu dia. Por ceticismo ou passividade, deixei sempre essa ideia de elaborar um “diário” recolhida de lado. Não surgiu em mim uma repentina necessidade pessoal de o fazer, mas sim o sentimento de que um acontecimento específico teve o volume suficiente, relevante, para a minha pessoa o executar. Vi, ouvi e cumprimentei pela primeira vez o Gonçalo M. Tavares.

Tudo se passou na Almedina do Estádio da Cidade de Coimbra a pretexto da apresentação do seu novo livro; “Atlas do Corpo e da Imaginação” e contou com a presença do Professor Dr. José Carlos Seabra Pereira e do editor Zeferino Coelho.

O autor chegou num caminhar simples e já a Almedina estava lotada, com pessoas sentadas e muitas outras de pé. Ouviu-se um colega do professor José Carlos Seabra murmurando «é que ele escreve como quem reza» e ‘ele’ lá chegou e se sentou. O Zeferino foi o primeiro a falar (…) em nome da Caminho elogiou o trabalho de Gonçalo M. Tavares e sublinhou o esforço da editora em conseguir acompanhar os maiores trabalhos literários que se vão fazendo em Portugal. Posto isto, o professor discursou durante um bom tempo, sobre o Atlas, fazendo referências também a Uma Viagem à Índia, Aprender a Rezar na Era da Técnica e outros. Salientou a bagagem cognitiva do autor, como alguém que não cessa a procura do conhecimento. Referiu Lispector, Aristóteles, Llansol, Foucault, Deleuze e num tom de inveja brincalhona –saudável- citou mesmo uma passagem da obra apresentada que falando da temática do saudosismo, Gonçalo classifica a saudade como a «nostalgia das possibilidades».

O autor toma a palavra e num nervosismo desproporcional ao seu talento, começa por se declarar comovido com a quantidade de audiência que vê diante de si. Refere a importância da equipa dos Espacialistas que o acompanharam na elaboração do livro e salientou a importância das centenas de imagens que vão aparecendo ao longo das páginas e deixa bem claro que cada uma está no sítio preciso e correto onde ele pretende que estejam; e que esse perfecionismo só foi possível pelo esforço suplementar de elementos da editora Caminho, que apesar de executarem um trabalho na sombra, Gonçalo agradeceu e referenciou nomes, numa sinceridade tremenda.

«Não te leves demasiado a sério, mas leva a sério o Mundo» diz o autor que é uma premissa que o tem vindo a acompanhar com bastante clareza nestes últimos anos. «Podemos nos debruçar a pensar seriamente sobre um assunto, mas se alguém estiver ao nosso lado a morrer, vamos fazer um esforço para pensar o quê? O que há a pensar?» reforçou a soberania da doença e consequentemente de todos os fatores mundanos que escapam ao nosso controlo. A certa altura mudou de assunto para focar uma ideia que já tem vindo a referenciar noutras ocasiões: a importância de contemplar e da imaginação. Deu exemplos concretos que seriam desvirtuados pelo tempo que já passou e pelo meu défice de engenho na transcrição … mas a defesa acérrima do poder da criação de imagens e como esse ato perdura mesmo depois de nós morrermos (um edifício a ser construído, que teve na sua génese a imagem, o desenho – primeiro mental – de um arquiteto já falecido) foi constante. Foi claro na defesa das atividades que não têm ação imediata depois de executadas, como ler. Como devem ser praticadas e não esquecidas. Reforçadas e não banalizadas.

Quando cessaram as declarações, fez questão de cumprimentar todos os presentes e assinar as obras que cada um levava. Todos os pensamentos prévios, e opiniões formuladas em quatro paredes que carregava comigo, foram engolidas pelo nervosismo na hora de o cumprimentar e trocar umas palavras. No final com duas palmadas nas costas dizia-me ele «não te preocupes, no final espera-nos a todos o mesmo.»

Conhecer o autor em carne e osso, por várias razões, pode-nos moldar futuras leituras do mesmo no mau sentido do verbo, mas não neste caso. Génio, lucidez, sensatez e gratidão reunidas, numa personificação ideal.


Em suma, tudo isto foi o suficiente. Mais até.

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