não me chamem assim de morto
mas digam que fui um fraco
que lutei
Não digam que acabei
mas que estou iludido
Que fiz desertos com túmulos
e praias geladas ao passear doentes
Digam que está ali comigo a côr
o ar e a posse
Que fui igual e traído
Que acordei dentro do vulcão
e rompi manhãs de veludo
feito um rato
Que confundi papel com outro papel
Que troquei a mão de alguém
por outra mão
o sorriso por um desejo
a cerimónia por acto amoroso
Que troquei as horas por frases inocentes
e as rosas por actos gratuitos
Digam que cruzei mal as linhas
que rasguei papéis de valor
e soquei mulheres
Que amei os velhacos
e fui traído com amor
raiva e convicção
Que perdi oportunidades
e das melhores
Que não conheci nem a lei
nem o cheiro do crime
Que abusei da minha fôrça
na fraqueza dos outros
e da fraqueza também
Digam que fui ridículo
e até brilhante
podem dizer que não roubei
nem fui culpado nas guerras
Quando morrer não digam
Não me chamem assim de morto

Fernando Lemos
Cá & Lá, Imprensa Nacional
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