sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

ALA ... que é poesia VII

Os céus têm estado em fúria - como uma mulher traída. Chega para justificar a minha escolha de hoje dentre os poemas de Lobo Antunes? 

Aqui fica o poema "Tango do marido infiel numa pensão do Beato", musicalmente traduzido pelo Vitorino no disco "Eu Que Me Comovo Por Tudo e Por Nada". Para aplacar a tormenta.

Ana Almeida



Tango do marido infiel numa pensão do Beato

Sem tempo para ter tempo
De ter tempo de te dar
O tempo que tu mereces
Prazeres em que tu morresses
Manhãs que não amanheces
E arrepios que estremeces
Na boca de te beijar
Fico sentado no quarto
Desta cama de pensão
Ausente, despido farto
Cansado dessas mulheres
Que ouvem sem me escutar
Que me olham sem me ver
Que
me amam sem saber
Que
me roçam sem tocar
Que
me abraçam sem paixão
Que ignoram que eu anoiteço
Que
me ensombro que escureço
Que
me enrugo e envelheço
Me pregueio e apodreço
E a quem pago o que me dão
Uma espécie de ternura
Uma imitação do amor
Lençóis que são sepultura
De carícias sem doçura
E dos meus lábios sem cor
Ai dedos no meu cabelo
Quero a minha raiva toda
Quero domá-la e vencê-la
Quero vivê-la ao meu modo
Até encontrar por fim
Aquela voz de menino
Há tantos anos perdida
Há tanto tempo esquecida
Em soluços dissolvida
A gritar dentro de mim


António Lobo Antunes


4 comentários:

  1. Por estes dias também me apeteceu ouvir esta música. Ela ressoava cá dentro mas lembrava-me só de fragmentos da letra e que era cantada pelo Vitorino, o amigo google conseguiu dar com ela. Não fazia ideia que era do Lobo Antunes, ainda valoriza mais. Excelente.

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  2. Fico contente por ter sido aqui que ficou a saber da autoria do poema, André. O Clube de Leitores está recheado de pérolas. Pesque-as. :)

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