terça-feira, 17 de dezembro de 2013

É do borogodó: a nossa língua

Aquela miúda é do pioril, mas a malta é tão fixe que acaba por descontar as maldades, embora não dispensem as troças. Claro que faz sentido aos brasileiros, meus compatriotas, a minha afirmativa, mas melhor seria se eu dissesse que “aquela menina é mesmo má, mas a turma é tão bacana que dá desconto às maldades, embora não dispensem tirar um barato”.

Na língua formal e na língua coloquial, entre acadêmicos ou entre adolescentes, portugueses e brasileiros falam a mesma língua e também não.

Estive numa temporada de narrações de histórias com canções em Portugal e, ao perguntar para as crianças portuguesas qual o meu idioma, elas nunca hesitaram responder:

- Falas brasileiro!

A nossa língua portuguesa é tão nossa língua brasileira.

E a musicalidade então, nem se fala. Cada língua se desenvolve com notas próprias e variações de tons peculiares. Curioso perceber que até idênticos sentimentos se desenvolvem de maneira diferente em cada pronúncia da mesma língua.

Um exemplo é a tal saudade que aparece com afagos na bossa nova brasileira, decifrando o amor em linhas que desenham o litoral carioca, montanhas e mar:

Vai minha tristeza e diz a ela que
sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer.
Chega de saudade, a realidade é que
Sem ela não há paz, não há beleza…

Da nossa língua é única expressão: saudade.

Por um momento fico a pensar que dor imensa em no fado a saudade, enquanto, mesmo sôfrego de amor, o poeta brasileiro faz dela um alento, uma brisa, chega até um sorriso.

À portuguesa, a palavra saudade expressa mais melancolia do que em qualquer outro lugar:

Saudade vai te embora
Do meu peito tão cansado
Leva para bem longe
este meu fado…
(http://www.youtube.com/watch?v=8ZcBaVNPy9E)

Temos um território comum na língua portuguesa que nos permite a compreensão uns dos outros e é o nosso patrimônio comum que possibilita a troca e o intercâmbio de informações, a sociabilização de diferentes culturas. Em contrapartida, a língua portuguesa que se fala no Brasil é diferente da língua portuguesa que se fala em Portugal, e nas peculiaridades somos afortunados, afinal, a língua revela a história de um povo e sua própria identidade.

A língua é viva e se modifica no correr do tempo sensível aos elementos de cada espaço. Talvez seja esta a grande razão para refutarmos acordos que formatem a expressão de uma nação com o uso da língua.

Os comparativos de nada servem quando retalham a nossa cultura para dizer que aquilo é que está certo, aqui é que é melhor, este sotaque é horroroso, ou outras coisas assim. Os comparativos são magníficos para quem deseja ampliar fronteiras do pensamento, descobrir o mundo em suas gentes.

Quando se abre uma imensa caixa de bombons, sabemos que tudo ali é chocolate. Mas, se há cereja em um, isso não desmerece a amêndoa do outro. Metáforas achocolatadas superadas, temos muito o que descobrir entre os países lusófonos e eis o instrumento facilitador que nos permite transitar nas particularidades de cada povo: falar língua portuguesa.

Então, prezados lusofônicos, façam suas leituras sem adaptações e busquem imprimir aos ouvidos o som de cada lugar, valorizem as travessias dessa nossa língua portuguesa que está na Europa, na América, na África e Ásia. Para já compartilho dois links com poemas do poeta português Fernando Pessoa, interpretadas por saudosos atores, o brasileiro Paulo Autran, http://www.youtube.com/watch?v=3dRchZ-vRAI, o português Mário Viegas, http://www.youtube.com/watch?v=VnQSA-Kcbno.

Penélope Martins

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