Aquela miúda é do pioril, mas a malta é tão fixe que acaba por
descontar as maldades, embora não dispensem as troças. Claro que faz
sentido aos brasileiros, meus compatriotas, a minha afirmativa, mas
melhor seria se eu dissesse que “aquela menina é mesmo má, mas a turma é
tão bacana que dá desconto às maldades, embora não dispensem tirar um
barato”.
Na língua formal e na língua coloquial, entre acadêmicos ou entre
adolescentes, portugueses e brasileiros falam a mesma língua e também
não.
Estive numa temporada de narrações de histórias com canções em
Portugal e, ao perguntar para as crianças portuguesas qual o meu idioma,
elas nunca hesitaram responder:
- Falas brasileiro!
A nossa língua portuguesa é tão nossa língua brasileira.
E a musicalidade então, nem se fala. Cada língua se desenvolve com
notas próprias e variações de tons peculiares. Curioso perceber que até
idênticos sentimentos se desenvolvem de maneira diferente em cada
pronúncia da mesma língua.
Um exemplo é a tal saudade que aparece com afagos na bossa nova
brasileira, decifrando o amor em linhas que desenham o litoral carioca,
montanhas e mar:
Vai minha tristeza e diz a ela que
sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer.
Chega de saudade, a realidade é que
Sem ela não há paz, não há beleza…
Da nossa língua é única expressão: saudade.
Por um momento fico a pensar que dor imensa em no fado a saudade,
enquanto, mesmo sôfrego de amor, o poeta brasileiro faz dela um alento,
uma brisa, chega até um sorriso.
À portuguesa, a palavra saudade expressa mais melancolia do que em qualquer outro lugar:
Saudade vai te embora
Do meu peito tão cansado
Leva para bem longe
este meu fado…
(http://www.youtube.com/watch?v=8ZcBaVNPy9E)
Temos um território comum na língua portuguesa que nos permite a
compreensão uns dos outros e é o nosso patrimônio comum que possibilita a
troca e o intercâmbio de informações, a sociabilização de diferentes
culturas. Em contrapartida, a língua portuguesa que se fala no Brasil é
diferente da língua portuguesa que se fala em Portugal, e nas
peculiaridades somos afortunados, afinal, a língua revela a história de
um povo e sua própria identidade.
A língua é viva e se modifica no correr do tempo sensível aos
elementos de cada espaço. Talvez seja esta a grande razão para
refutarmos acordos que formatem a expressão de uma nação com o uso da
língua.
Os comparativos de nada servem quando retalham a nossa cultura para
dizer que aquilo é que está certo, aqui é que é melhor, este sotaque é
horroroso, ou outras coisas assim. Os comparativos são magníficos para
quem deseja ampliar fronteiras do pensamento, descobrir o mundo em suas
gentes.
Quando se abre uma imensa caixa de bombons, sabemos que tudo ali é
chocolate. Mas, se há cereja em um, isso não desmerece a amêndoa do
outro. Metáforas achocolatadas superadas, temos muito o que descobrir
entre os países lusófonos e eis o instrumento facilitador que nos
permite transitar nas particularidades de cada povo: falar língua
portuguesa.
Então, prezados lusofônicos, façam suas leituras sem adaptações e
busquem imprimir aos ouvidos o som de cada lugar, valorizem as
travessias dessa nossa língua portuguesa que está na Europa, na América,
na África e Ásia. Para já compartilho dois links com poemas do poeta
português Fernando Pessoa, interpretadas por saudosos atores, o
brasileiro Paulo Autran, http://www.youtube.com/watch?v=3dRchZ-vRAI, o português Mário Viegas, http://www.youtube.com/watch?v=VnQSA-Kcbno.
Penélope Martins
Sem comentários:
Enviar um comentário