quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Nuno Júdice: dois poemas do novo livro

"Navegação ao Acaso", o novo livro de poesia de Nuno Júdice, foi lançado ontem em Lisboa, numa edição da D. Quixote. 
Não tive oportunidade de ir até lá. Mas dois dos poemas que contém vieram até nós.


Júdice recebe o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana já no dia 27, no Palácio Real de Madrid. É o 23.º distinguido com o galardão e o segundo português a recebê-lo, dez anos depois de Sophia de Mello Breyner Andresen.

"Faz-me ouvir o teu canto, o eco
dos passos sob a negrura das abóbadas, e
o perfume de uma rosa de pele no fundo
dos tapumes. Envolve, ó deusa da tarde,
com a seda do teu corpo os corpos
que a noite deixou exaustos, e abraça
com um rumor de ausência os solitários
inquietos, como se tivessem perdido
o rumo do inverno nas linhas interrompidas
das suas mãos.
"


~~*~*~~

"Ao fazer a mala, tenho de pensar em tudo o que lá
vou meter para não me esquecer de nada. Vou ao
dicionário e tiro as palavras que me servirão
de passaporte: o equador, uma linha
de horizonte, a altitude e a latitude,
um lugar de passageiro insistente. Dizem-me
que não preciso de mais nada; mas continuo
a encher a mala. Um pôr-do-sol para que
a noite não caia tão depressa, o toque dos teus
cabelos para que a minha mão os não esqueça,
e aquele pássaro num jardim que nasceu
nas traseiras da casa, e canta sem saber
porquê. E outras coisas que poderiam
parecer inúteis, mas de que vou precisar: uma frase
indecisa a meio da noite, a constelação
dos teus olhos quando os abres, e algumas
folhas de papel onde irei escrever o que a tua ausência
me vem ditar. E se me disserem que tenho
excesso de peso, deixarei tudo isto em terra,
e ficarei só com a tua imagem, a estrela
de um sorriso triste, e o eco melancólico
de um adeus.
"


in "Navegação de Acaso", 2013



Sem comentários:

Enviar um comentário