Não tive oportunidade de ir até lá. Mas dois dos poemas que contém vieram até nós.
"Faz-me ouvir o teu canto, o eco
dos passos sob a negrura das abóbadas, e
o perfume de uma rosa de pele no fundo
dos tapumes. Envolve, ó deusa da tarde,
com a seda do teu corpo os corpos
que a noite deixou exaustos, e abraça
com um rumor de ausência os solitários
inquietos, como se tivessem perdido
o rumo do inverno nas linhas interrompidas
das suas mãos."
~~*~*~~
"Ao fazer a mala, tenho de pensar em tudo o que lá
vou meter para não me esquecer de nada. Vou ao
dicionário e tiro as palavras que me servirão
de passaporte: o equador, uma linha
de horizonte, a altitude e a latitude,
um lugar de passageiro insistente. Dizem-me
que não preciso de mais nada; mas continuo
a encher a mala. Um pôr-do-sol para que
a noite não caia tão depressa, o toque dos teus
cabelos para que a minha mão os não esqueça,
e aquele pássaro num jardim que nasceu
nas traseiras da casa, e canta sem saber
porquê. E outras coisas que poderiam
parecer inúteis, mas de que vou precisar: uma frase
indecisa a meio da noite, a constelação
dos teus olhos quando os abres, e algumas
folhas de papel onde irei escrever o que a tua ausência
me vem ditar. E se me disserem que tenho
excesso de peso, deixarei tudo isto em terra,
e ficarei só com a tua imagem, a estrela
de um sorriso triste, e o eco melancólico
de um adeus."
in "Navegação de Acaso", 2013
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