Na Tailândia há imensas crianças. Não há nenhuma feia, pelo que dá vontade de adoptar todas. Hoje o dia levou-me a prestar particular atenção a todos estes meninos e meninas de cara alegre e olhos escuros.
As crianças daqui são muito cedo autónomas. É vê-las a passar na rua, a andar de mota com a família, a ajudarem no restaurante a recolher a louça suja...
Fazem-no não por obrigação ou castigo. Estão nutridas de um especial desígnio que as leva naturalmente a participar nas responsabilidades do agregado familiar.
Mas as crianças aqui brincam umas com as outras, jogam, riem-se e divertem-se.
Bem diferente dos meninos do Cambodja, bem mais pobres e sem comida para viver. Estes são obrigados a trabalhar, a andar na estrada a vender água, pulseiras, postais aos estrangeiros... Depois entregam a receita aos pais que estão do outro lado a vender bebidas e comida.
Voltando à Tailândia e ao dia de hoje, fiquei, mais uma vez, estupefacto com a autonomia destas crianças.
Estava no supermercado a comprar uma água antes de partir para uma viagem de 12 horas que me levará de volta a Bangkok, quando reparo que, à minha frente na fila de pagamento, está uma menina que seguramente não tem mais de 5 anos.
Enganem-se aqueles que julgam que ela estava acompanhada por alguém mais velho. Sacou do dinheiro, pagou aquilo que levou e saiu porta fora como se nada fosse.
No autocarro que me leva a Bangkok, sento-me bem perto de um rapazito nos seus 8 anos e sua mãe.
Sou levado pelo espírito de "meter conversa". Uma conversa obviamente muda, por imagens criadas com as mãos e o simples olhar.
Faço dois tipos de avião de papel com um pequeno bloco de post its.
É impossível descrever a felicidade que despertou. Uma imagem que vale tudo. Posso dizer apenas que me encheu o coração, a alegria palpitou dentro de mim.
Mais tarde fiz aviões para outros meninos que seguiam à frente. Os três começaram a brincar. E todos me agradeceram o presente com as mãos unidas como se estivessem em oração.
Adormeci. Quando volto a acordar, vejo o meu novo amigo com a pestana bem aberta e a olhar para mim.
Resolvo então mostrar-lhe as minhas fotos e vídeos da câmara. São fotos do mar, de grutas e montanhas que do mar emergem, de morcegos que vivem na escuridão, fotos de barcos e barquinhos...
Reparo na inquietude do miúdo quando, por momentos, fecho os olhos. Ele está à minha espera e não o posso desapontar. Afinal não é todos os dias que se está com um estrangeiro caucasiano de pele clara - o que, para ele, representa um enorme choque de cultura e um misto de admiração e curiosidade.
Decido ensinar-lhe a fazer aviões. Primeiro ele imita os meus passos. Depois dou-lhe uma folha para fazer sozinho.
Aprendeu rápido e conseguiu seguir toda a lógica.
Para o segundo modelo (mais difícil) adoptei a mesma táctica. Passou com distinção.
Dentro de algumas horas nunca mais me cruzo com esta criança. Mas uma coisa ele e eu levamos - a recordação deste momento para a vida.
p.s.- ensinei os aviões aos outros dois. A mesma destreza.
(saio do autocarro. O meu amigo tinha me deixado um barquinho...)
Rodrigo Ferrão
Rodrigo Ferrão
(algures entre Pukhet e Bangkok, 1 de Maio 2009 - 22.30h)
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