"Vivemos de sentimentos e não de números num relógio de sol.
Devíamos contar o tempo pelas batidas do coração."
Aristóteles (384-322 a.C.)
“ As pessoas viajam para se maravilharem com a altura das montanhas,
com as grandes ondas do mar,
o longo curso dos rios, os vastos espaços do oceano, o movimento
circular das estrelas;
e passam por si próprias sem ficarem curiosas.”
Santo Agostinho (354-430 d.C.)
Segunda-feira, 8 de Outubro de 2007
Talvez hoje. Talvez
amanhã. Talvez depois de amanhã.
Amanhã é um dia tão útil
e necessário, inevitável ou dispensável, escusado e prescindível, como qualquer
outro.
Amanhã é Terça-feira. O
terceiro dia da semana, do latim, tertia feira. “É Terça-feira e a feira da Ladra abre hoje às cinco da madrugada. E a
rapariga desce a escada quatro a quatro vai vender mágoas ao desbarato… e a
rapariga vende tudo que trazia troca a tristeza pela alegria”[1].
Talvez depois de amanhã.
Talvez depois de depois de amanhã.
Qualquer dia é mau para
se morrer.
Qualquer dia é ridículo
para se morrer.
Risível.
Vais ver, ainda nos vamos
rir de tudo isto! O sorriso nos lábios com as palavras.
Se nos conseguirmos rir
não foi uma desgraça!
Qualquer dia é grotesco
para se morrer.
Qualquer dia. Mesmo o
mais desconsolado, insípido e enfezado dia de frio e vento e chuva miudinha,
daqueles dias em que nada apetece fazer, olhamos para a janela e o mundo está
cinzento, granulado, aparentemente em estado líquido, e enfiamos a cabeça na
almofada por mais cinco minutos, prometemos a nós próprios, no máximo dez... se
no paraíso existirem penas, não serão penas de penar, nem penas de anjos ou
outros seres celestes e alados, mas penas de ganso, dentro de almofadas e
edredões... e como o tempo voa mais e melhor que um ganso, os cinco minutos
terminam quase antes mesmo de começarem, como salário de pobre ou de
desgovernado que tem fim destinado antes do dia de receber.
E na janela o mundo
continua cinzento.
Chove, não uma tromba de
água que nos arraste para um dia diferente, a protecção civil aconselhou que
toda a população permaneça dentro de portas, as previsões são de chuva forte e
intensa, e ventos de nordeste ásperos e diligentes, baixas temperaturas, talvez
granizo, recomendando-se, para combate ao tédio provocado por este tipo de
condições climatéricas, a leitura de romances de autores sul-americanos, a
audição de jazz e a ingestão regular de chá e chocolate.
Chove, apenas uma chuva
miudinha, uma chuva miudinha que não sabe chover, porque pequena e sovina,
talvez medrosa, e não medrosa, persistente e meticulosa, pelo que molha
inteligentes e tolos, só os tolos falam de si e da chuva, parece que dispensa
guarda-chuva, porém arrasa, alaga, silenciosamente afoga, os que a desafiam.
Deram-me dois meses de
vida.
Deram-me dois meses.
Talvez três.
Não. Que digo eu! Até eu,
Brutos para mim mesmo, a passar à
faca a pouca ou nenhuma esperança que ainda me sobrava.
Tiraram-me toda uma vida
por viver.
Tiraram-me os dias, as
luas, os sóis, os sonhos. Tiraram-me a água fresca num copo de vidro, a água
salgada do mar, a água morna do banho de cada manhã. Tiraram-me a água da
chuva. As chuvas de todos os dias em que eu, leviano, saíria de casa leve,
porque sem chapéu-de-chuva. Pertenço ao grupo dos tolos, felizmente em Lisboa
chove pouco.
De uma assentada, foi um
vendaval, foi um tufão, uma maré que encheu em dois segundos e fui roubado de
todos os momentos que podiam vir a ser meus.
Recusaram-me também as
lágrimas, água (quase tudo) e cloreto de sódio, como as da preta, que estava a
chorar[2],
usurparam-me todas as angústias, e deixaram-me na angústia maior de saber que
vou morrer.
Eu sei, não como todos
sabem que vão morrer, pois estou já não neste lado, estou num outro lado, estou
em lado nenhum, não sei onde estou, não consigo perceber ou sentir onde estou.
muito bom!estou encantada :)
ResponderEliminarTambém gostei muito
ResponderEliminarTão bom saber!
ResponderEliminarPronto, lá vai ele para a lista dos "a-ler" :)
ResponderEliminarAs intermináveis listas dos "a-ler"! Que bom pertencer a essa lista!
EliminarQueria saber onde encontrar esse livro aqui no Brasil.
ResponderEliminarAnónimo, antes de mais fico muito grata pelo seu interesse, e informo que no Brasil o livro apenas se encontra à venda on-line, no seguinte sítio:
Eliminarhttp://www.horizont.com.br/livro.php?isbn=9789723327151